Publicado por Joaquim de
Carvalho - 21 de janeiro de 2019
Se a situação de Flávio Bolsonaro já era complicada,
depois da entrevista esta noite para a TV Record ela se tornou insustentável.
Só pessoas com déficit de inteligência
podem acreditar na história que ele contou para justificar depósitos
fracionados que totalizaram R$ 96 mil reais em sua conta, no período de um mês,
entre junho e julho de 1997.
Certos momentos da entrevista foram
incompreensíveis, e o repórter, Lúcio Sturm, visivelmente não tinha autonomia
para fazer os questionamentos pertinentes.
Flávio Bolsonaro, ao que parece, usou a
entrevista como uma tentativa de conter o escândalo. E se o propósito era falar
sem ser contestado, estava no
lugar certo.
A Record é uma empresa amiga de Jair Bolsonaro, como tem
demonstrado desde a campanha eleitoral.
Mais tarde, o senador eleito apareceu na
Rede TV, para uma entrevista ao jornalista Boris Casoy, em que também não
esclareceu nada.
Mas aí o tom foi outro, provocado pelo
entrevistador. Flávio Bolsonaro tentou ir para o ataque, uma tática comum de
Jair Bolsonaro. Emparedado, ele ataca, para não ter de dar explicação.
Logo na primeira pergunta, Boris quis
saber: “Nesta história toda que está nas primeiras páginas dos jornais e nos
noticiários de TV e rádio, o senhor se sente perseguido? O que move as pessoas
que estão vazando ou estão levando este noticiário a público?”.
Bola levantada, Flávio Bolsonaro cortou:
“Eu não tenho mais dúvida de que é um grande processo de
ataques a mim, de perseguição a mim, e o alvo não sou apenas eu. Também é o
presidente da república”, respondeu.
Tanto em uma entrevista quanto em outra,
Flávio Bolsonaro exibia um papel que dizia ser o contrato de compra ou de venda
de um apartamento.
Ele mostrava, mas não permitia que os
jornalistas lessem. “Vou apresentar no foro adequado, para as autoridades
competentes, com todo o respeito pela imprensa”, disse.
Flávio teve a oportunidade de fazer isso
no dia 10 de janeiro, quando foi convidado para prestar esclarecimentos na
investigação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro que tem como
alvo o ex-assessor dele, Fabrício Queiroz.
Não foi.
Nas duas entrevistas de Flávio, não houve nada de
substancial, detalhado, consistente, embora ele dissesse que estava ali para
resgatar a verdade.
Mas qual é a verdade?
Segundo ele, tempos atrás comprou um
apartamento e depois fez um financiamento de R$ 1 milhão junto à Caixa
Econômica Federal para pagar o restante do imóvel.
Ele disse que isso explica o pagamento do
título sem beneficiário identificado pelo Coaf no valor de R$ 1 milhão.
Mais tarde, esse apartamento teria sido
vendido por R$ 2,4 milhões. E parte desse pagamento foi feito em dinheiro, o
que justificaria o depósito de R$ 96 mil em sua conta.
Mas por que o dinheiro era depositado de
forma fracionada, em valores de R$ 2 mil? “É porque o limite para você fazer
depósito no caixa eletrônico, aquele papelzinho, são R$ 2 mil reais”, disse.
“Não tem mistério nenhum”, acrescentou.
Como não tem?
Numa época em que transferências podem ser
feitas pelo celular, não é comum depósitos em dinheiro no banco, a não ser que
ele fosse dono de empresa de ônibus ou tivesse praça de pedágio.
“Eu sou empresário”, disse, sem citar que
tem uma representação de uma empresa de chocolate num shopping da Barra da
Tijuca, onde também não há tanta transação em dinheiro vivo.
“O que eu ganho na minha empresa é muito
mais do que eu ganho como deputado. Eu não vivo só do salário de deputado e,
além disso, está aqui a origem: alguma coisa que eu vou mostrar, mas eu peço
reserva, porque vou apresentar, no momento oportuno, para as autoridades, que é
a escritura do apartamento que eu vendi. Sabe qual foi o valor do apartamento
que eu vendi? Dois milhões e quatrocentos mil reais. Esse apartamento foi
comprado, pago direitinho”, respondeu.
Este seria o álibi para justificar essa
forma atípica, peculiar, de lidar com o dinheiro. Ele teria recebido parte do
pagamento pela venda do apartamento em dinheiro vivo.
O caixa eletrônico onde foram feitos os
depósitos fracionados fica na agência do Banco do Brasil, na Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro, centro da cidade, uns 15 quilômetros de
distância da Barra.
Ainda que ele optasse por fazer o depósito
numa agência distante de seu negócio e em sua conta de pessoa física, não
precisava usar o caixa eletrônico.
Bastaria a ele ou a quem fez o depósito
caminhar alguns passos mais e ir até o caixa físico, e fazer o depósito no
valor total, sem precisar preencher uma série de envelopes.
O problema, porém, é que depósitos
vultosos em dinheiro devem ser acompanhados do preenchimento de um formulário
para explicar a origem dos recursos.
É uma norma do Banco Central. Já em
relação a depósitos fracionados no caixa eletrônico, não há necessidade de
preencher formulário algum.
Sergio Moro, quando era juiz, escreveu um
livro — Crime de Lavagem de Dinheiro — em que explica que fracionar depósitos
ou saques é indício de prática de crime financeiro, já que quem faz isso está
tentando se eximir da exigência de comunicação ao Coaf.
No caso concreto de Flávio Bolsonaro,
filho do presidente a que Moro serve como ministro da Justiça, houve dias em
que foram feitos vários depósitos no caixa eletrônico, alguns com diferença de
minutos entre um e outro.
Quando o repórter perguntou, com muito
tato, se aquele dinheiro era fruto da chamada rachadinha, ou seja, a devolução
de parte do salário dos servidores nomeados por ele no gabinete — mas pagos com
dinheiro público —, Flávio demonstrou indignação.
“No meu gabinete, não. E se eu soubesse
que tinha alguém cometendo isso, era o primeiro a denunciar e mandar prender,
porque todo mundo sabe, quem me conhece, quem me acompanha, que não tem
sacanagem comigo”, respondeu.
Sobre o pedido de suspensão da
investigação pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e a anulação
de provas, Flávio Bolsonaro também deu uma explicação confusa.
Ele disse que não quer foro privilegiado,
mas quer saber a que órgão deve prestar esclarecimentos.
Se ele nada deve, como diz, por que
escolher o lugar que irá investigá-lo?
“É que estão fazendo sacanagem comigo”,
afirmou.
Flávio insinuou que os membros do
Ministério Público que o investigam são simpatizantes do PT e citou como
indícios de prova fotografias que circulam pela internet, que mostrariam os responsáveis
pela investigação com camiseta “Sou contra o golpe”.
O senador eleito se mantém, com essa
tática, dentro do universo em que se elegeu: não importam os fatos, mas a
versão.
Ele tenta desqualificar quem o investiga
para escapar da investigação. E por que anular as provas, como pediu ao STF?
Segundo ele, é porque divulgaram sigilo
bancário dele sem ordem judicial. Uma correção: relatório do Coaf não
representa quebra de sigilo.
Ainda assim, se Flávio está convicto de
que é tudo armação, deveria ser o primeiro a desejar prestar esclarecimentos
detalhados.
Não fez isso ao Ministério Público, nem
nas entrevistas, e parece apostar suas fichas numa solução política para a
encrenca em que está metido.
Para isso, precisava dizer alguma coisa em
público — daí as entrevistas —, ainda que suas palavras careçam de
verossimilhança.
Para quem
quer acreditar, qualquer palavra serve.
Quando se fala em quantias expressivas,
eempre é bom lembrar que, trinta anos atrás, quando seu pai era capitão do
Exército e se elegeu pela primeira vez e assumiu uma cadeira na Câmara
Municipal do Rio, Jair Bolsonaro tinha poucos bens declarados, um Fiat Panorama
e uma moto, patrimônio que valia cerca de 10 mil reais.
Hoje, o patrimônio declarado dele e dos
filhos políticos está em torno de R$ 15 milhões.
Patrimônio declarado, frise-se.
E Flávio diz que sua principal fonte de
renda nem é o salário de deputado.
Ao encerrar a entrevista, Boris Casoy
apertou a mão de Flávio e desejou a ele boa sorte.
Ele vai precisar.
Está na cara que o MP do Rio só mostrou a
ponta do iceberg.
Nas duas
entrevistas de Flávio, não houve nada de substancial, detalhado, consistente,
embora ele dissesse que estava ali para resgatar a verdade.
Mas qual
é a verdade?
Segundo
ele, tempos atrás comprou um apartamento e depois fez um financiamento de R$ 1
milhão junto à Caixa Econômica Federal para pagar o restante do imóvel.
Ele disse
que isso explica o pagamento do título sem beneficiário identificado pelo Coaf no
valor de R$ 1 milhão.
Mais
tarde, esse apartamento teria sido vendido por R$ 2,4 milhões. E parte desse
pagamento foi feito em dinheiro, o que justificaria o depósito de R$ 96 mil em
sua conta.
Mas por
que o dinheiro era depositado de forma fracionada, em valores de R$ 2 mil? “É
porque o limite para você fazer depósito no caixa eletrônico, aquele
papelzinho, são R$ 2 mil reais”, disse.
“Não tem
mistério nenhum”, acrescentou.
Como não
tem?
Numa
época em que transferências podem ser feitas pelo celular, não é comum
depósitos em dinheiro no banco, a não ser que ele fosse dono de empresa de
ônibus ou tivesse praça de pedágio.
“Eu sou
empresário”, disse, sem citar que tem uma representação de uma empresa de
chocolate num shopping da Barra da Tijuca, onde também não há tanta transação
em dinheiro vivo.
“O que eu
ganho na minha empresa é muito mais do que eu ganho como deputado. Eu não vivo
só do salário de deputado e, além disso, está aqui a origem: alguma coisa que
eu vou mostrar, mas eu peço reserva, porque vou apresentar, no momento
oportuno, para as autoridades, que é a escritura do apartamento que eu vendi.
Sabe qual foi o valor do apartamento que eu vendi? Dois milhões e quatrocentos
mil reais. Esse apartamento foi comprado, pago direitinho”, respondeu.
Este
seria o álibi para justificar essa forma atípica, peculiar, de lidar com o
dinheiro. Ele teria recebido parte do pagamento pela venda do apartamento em
dinheiro vivo.
O caixa
eletrônico onde foram feitos os depósitos fracionados fica na agência do Banco
do Brasil, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, centro da cidade, uns
15 quilômetros de distância da Barra.
Ainda que
ele optasse por fazer o depósito numa agência distante de seu negócio e em sua
conta de pessoa física, não precisava usar o caixa eletrônico.
Bastaria
a ele ou a quem fez o depósito caminhar alguns passos mais e ir até o caixa
físico, e fazer o depósito no valor total, sem precisar preencher uma série de
envelopes.
O
problema, porém, é que depósitos vultosos em dinheiro devem ser acompanhados do
preenchimento de um formulário para explicar a origem dos recursos.
É uma
norma do Banco Central. Já em relação a depósitos fracionados no caixa
eletrônico, não há necessidade de preencher formulário algum.
Sergio
Moro, quando era juiz, escreveu um livro — Crime de Lavagem de Dinheiro — em
que explica que fracionar depósitos ou saques é indício de prática de crime
financeiro, já que quem faz isso está tentando se eximir da exigência de
comunicação ao Coaf.
No caso
concreto de Flávio Bolsonaro, filho do presidente a que Moro serve como
ministro da Justiça, houve dias em que foram feitos vários depósitos no caixa
eletrônico, alguns com diferença de minutos entre um e outro.
Quando o
repórter perguntou, com muito tato, se aquele dinheiro era fruto da chamada
rachadinha, ou seja, a devolução de parte do salário dos servidores nomeados
por ele no gabinete — mas pagos com dinheiro público —, Flávio demonstrou
indignação.
“No meu
gabinete, não. E se eu soubesse que tinha alguém cometendo isso, era o primeiro
a denunciar e mandar prender, porque todo mundo sabe, quem me conhece, quem me
acompanha, que não tem sacanagem comigo”, respondeu.
Sobre o
pedido de suspensão da investigação pelo Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro e a anulação de provas, Flávio Bolsonaro também deu uma explicação
confusa.
Ele disse
que não quer foro privilegiado, mas quer saber a que órgão deve prestar
esclarecimentos.
Se ele
nada deve, como diz, por que escolher o lugar que irá investigá-lo?
“É que
estão fazendo sacanagem comigo”, afirmou.
Flávio
insinuou que os membros do Ministério Público que o investigam são
simpatizantes do PT e citou como indícios de prova fotografias que circulam
pela internet, que mostrariam os responsáveis pela investigação com camiseta
“Sou contra o golpe”.
O senador
eleito se mantém, com essa tática, dentro do universo em que se elegeu: não
importam os fatos, mas a versão.
Ele tenta
desqualificar quem o investiga para escapar da investigação. E por que anular
as provas, como pediu ao STF?
Segundo
ele, é porque divulgaram sigilo bancário dele sem ordem judicial. Uma correção:
relatório do Coaf não representa quebra de sigilo.
Ainda
assim, se Flávio está convicto de que é tudo armação, deveria ser o primeiro a
desejar prestar esclarecimentos detalhados.
Não fez
isso ao Ministério Público, nem nas entrevistas, e parece apostar suas fichas
numa solução política para a encrenca em que está metido.
Para
isso, precisava dizer alguma coisa em público — daí as entrevistas —, ainda que
suas palavras careçam de verossimilhança.
Para quem
quer acreditar, qualquer palavra serve.
Quando se
fala em quantias expressivas, eempre é bom lembrar que, trinta anos atrás,
quando seu pai era capitão do Exército e se elegeu pela primeira vez e assumiu
uma cadeira na Câmara Municipal do Rio, Jair Bolsonaro tinha poucos bens
declarados, um Fiat Panorama e uma moto, patrimônio que valia cerca de 10 mil
reais.
Hoje, o
patrimônio declarado dele e dos filhos políticos está em torno de R$ 15
milhões. Patrimônio declarado, frise-se.
E Flávio
diz que sua principal fonte de renda nem é o salário de deputado.
Ao
encerrar a entrevista, Boris Casoy apertou a mão de Flávio e desejou a ele boa
sorte.
Ele vai
precisar.
Está na
cara que o MP do Rio só mostrou a ponta do iceberg.
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