UESLEI MARCELINO
Luis Costa Pinto
é jornalista, escritor e consultor na Ideias, Fatos e Texto. É também membro do
Jornalistas pela Democracia. Twitter: @LulaCostaPinto, Facebook:
lula.costapinto
23 de Março de
2019
Por Luis Costa
Pinto, para o Jornalistas pela Democracia - Há vasto rol de motivos por meio
dos quais poder-se-ia celebrar a prisão de Michel Temer. O mais cristalino
deles seria a sua participação como co-conspirador no golpe parlamentar de
2016.
Vice-presidente
de Dilma Rousseff e presidente nacional do MDB, Temer sucumbiu ao açulamento do
facínora Eduardo Cunha. Depois de concordar com o roteiro traçado para o
impeachment sem crime de responsabilidade tornou-se seu fiador. Foi o maior
articulador da derrubada de um governo constitucional. O auxílio animado e pragmático
de Moreira Franco, Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves, Eliseu Padilha e
Aécio Neves conferiu precisão suíça (com e sem fundos) às engrenagens da
máquina golpista.
Cunha já está
sentenciado. Da cadeia aguarda julgamento de uma penca de crimes comuns.
Henrique Eduardo Alves, idem. Mas encontra-se em prisão domiciliar. Geddel está
na Papuda. Padilha e Aécio acordam todos os dias antes das 6h com a angústia
dos culpados – sabem que se o interfone tocar àquelas alturas será a
parafernália da PF e do MP intimando-os para o ajuste de contas que não
tardará.
Tendo-se
convertido em co-autor da barbaridade que foi a deposição de uma presidente
pela imputação de um crime fiscal tipificado e datado com validade exclusiva
para a finalidade de fundamentar juridicamente o impeachment de 2016, só por
isso Temer mereceria o desprezo e o asco da História. As pedaladas fiscais eram
praticadas por todos os antecessores de Dilma e seguem sendo executadas pelos
sucessores. Ele ajudou a construção da jabuticaba contábil que levaria à
usurpação da cadeira presidencial.
Enquanto era
vice decorativo, conforme sua própria definição em missiva referenciada no
rodapé dos livros de História, Temer empregou amigos para influenciar pessoas e
– diz-se – seguir fazendo caixa político e entesouramento pessoal. A Secretaria
Nacional de Aviação Civil, a Secretaria Nacional de Portos, o Ministério da
Agricultura, o Ministério da Saúde, a Caixa Econômica Federal, a Infraero e
diretorias da Petrobras, do Banco do Brasil e do BNDES estavam sempre
disponíveis para as reinações daquele modus operandi bem canhestro de fazer
política.
Antes disso,
numa viagem regressiva à biografia mediana de Temer como político paroquial
paulista ascendido à condição de chefe partidário de uma sigla notabilizada
pelo poder dos clãs regionais e não por um projeto de poder republicano,
carguinhos em portos e em delegacias da Receita Federal e a máquina da
Agricultura financiavam a estrutura temerista. Era temerário, com o perdão do
trocadilho infame. Contudo, foi dessa forma que ele se sustentou nos governos de
José Sarney e de Fernando Henrique Cardoso, além dos dois mandatos de Lula.
Esforçanva-se para não ser enxergado e escondia-se por trás das eficazes
movimentações financeiras do coronel Lima (também preso na última
quinta-feira).
Sempre se soube
em Brasília que o passeio de Michel Temer pelo jardim maldito das ilegalidades
– desde as constitucionais até o mais mundano dos trocos para fiscais
sanitários e aduaneiros – um dia levá-lo-ia em cana. O erro patético e infantil
de se deixar gravar no subsolo do Palácio Jaburu pelo empresário Joesley
Batista fora incompatível com o cargo que exercia então – aquele usurpado de
Dilma – mas congruente com a dimensão rastaquera de sua personagem política.
Ainda assim, com
toda a ficha corrida que possui no tribunal do Juízo Final, a prisão de Michel
Temer pelas volantes da Lava Jato foi uma ignomínia contra o Direito, contra o
Estado Democrático e contra as liberdades individuais. E é por isso que os
jagunços que a executaram merecem repulsa e revide – dentro das regras do jogo
político.
Provecto, quase
octogenário, Temer precisa conhecer os crimes que lhe são imputados e
defender-se deles no rito que a Justiça estabelece. Cassou-se esse direito do
ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, construiu-se um direito penal
exclusivo para julgar e sentenciar Lula antes que ele pudesse se submeter ao
julgamento das urnas. Muitos dos que reclamam agora das barbaridades contra o
emedebista calaram (ou até celebraram) a celeridade criminosa do tribunal de
exceção de Curitiba e da 2ª instância de Porto Alegre esgrimida como vingança
contra o petista. Aliás – como vingança, não: como exibição de recalques. Dessa
vez, com Temer, reproduzem-se as violências perpetradas contra Lula.
Temer teve mais
de uma oportunidade para fugir do país e escapar do acerto de contas com a lei.
Ele é cidadão libanês, assim como seu filho caçula e a mulher Marcela, que
receberam a cidadania libanesa em 2018. O Líbano não tem acordo de extradição
com o Brasil. Fechadas as urnas do ano passado, configurada a vitória de Jair
Bolsonaro e de seu discurso de faxina étnica contra a política e os políticos,
Temer recebeu diversos estímulos e incentivos para fugir antes de passar a
faixa àquele que não era seu sucessor – não era ele quem deveria estar na
cerimônia de transmissão da faixa. Recusou-se à fuga. Resignou-se ao devido
processo legal. Imaginou-se imune às vinganças mais torpes de alas partidarizadas
e infantilizadas do Ministério Público e da 1ª instância judicial. Resultado
dessa fé: foi preso antes que pudesse apresentar sua defesa, sua versão dos
fatos, para a imputação de crimes que macularão para sempre seu prontuário.
Temer não tem
biografia. Perdeu-a em definitivo em abril de 2016, quando foi o sujeito oculto
das negociações da aprovação do impeachment sem crime de responsabilidade de
Dilma Rousseff. Impeachment do qual era, claro, beneficiário óbvio e ululante.
Ao entregar o coração da Democracia numa bandeja aos coveiros irresponsáveis da
política, assim contribuindo para a ascensão de aventureiros como Jair
Bolsonaro e Sérgio Moro, que trazem consigo hordas de ativistas judiciais e
extrajudiciais cuja atuação se dá à margem do Estado de Direito e dos ritos
constitucionais, Michel Temer fundiu ele próprio as barras do cárcere em que
foi metido. Os estratos da sociedade que foram recalcadamente hostis a Lula, a
Dilma e ao PT precisam fazer uma autocrítica e depois que todos se unam pela restauração
democrática. Há riscos, mas o país vale a luta.
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