"Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse
sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais
aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior.
Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me
intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração", escreveu Jânio
Quadros, que governou por apenas sete meses
18 DE MAIO DE
2019 ÀS 05:51
O texto postado
pelo presidente Jair Bolsonaro em grupos escolhidos de WhatsApp nesta
sexta-feira 17 repercute fortemente nos meios políticos em razão de sua
semelhança, no tom de reclamação e impotência contra as "grandes
corporações", à carta renúncia do então presidente Jânio Quadros, escrita
em 25 de agosto de 1961.
Eis a íntegra:
"Fui
vencido pela reação e assim deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu
dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem
prevenções, nem rancores. Mas baldaram-se os meus esforços para conduzir esta
nação, que pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, a
única que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem
direito o seu generoso povo.
"Desejei um
Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a
covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de
grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado.
Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a
desculpa de colaboração.
"Se
permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade, ora quebradas,
indispensáveis ao exercício da minha autoridade. Creio mesmo que não manteria a
própria paz pública.
"Encerro,
assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes, para os
operários, para a grande família do Brasil, esta página da minha vida e da vida
nacional. A mim não falta a coragem da renúncia.
"Saio com
um agradecimento e um apelo. O agradecimento é aos companheiros que comigo
lutaram e me sustentaram dentro e fora do governo e, de forma especial, às
Forças Armadas, cuja conduta exemplar, em todos os instantes, proclamo nesta
oportunidade. O apelo é no sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da
estima de cada um dos meus patrícios, para todos e de todos para cada um.
"Somente
assim seremos dignos deste país e do mundo. Somente assim seremos dignos de
nossa herança e da nossa predestinação cristã. Retorno agora ao meu trabalho de
advogado e professor. Trabalharemos todos. Há muitas formas de servir nossa
pátria."
Brasília, 25 de
agosto de 1961.
Jânio
Quadros"
Abaixo, reportagem da Reuters sobre o texto espalhado por
Bolsonaro:
BRASÍLIA
(Reuters) - O presidente Jair Bolsonaro distribuiu para sua lista de contatos
na manhã desta sexta-feira um texto, de autor desconhecido, dizendo que o
Brasil é “ingovernável fora de conchavos” e foi “sequestrado pelas
corporações”.
A ação do
presidente foi revelada pelo jornal Estado de S. Paulo e confirmada à Reuters
pelo porta-voz da Presidência, general Otávio do Rêgo Barros, através de
mensagem.
O texto circula
nas redes sociais há pelo menos três dias e a Reuters encontrou cópias, com
autor desconhecido, distribuído em páginas de apoiadores de Bolsonaro no
Facebook e em comentários de pelo menos dois blogs, mas todos como tendo sido
copiados de outra pessoa.
“Bastaram 5
meses de um governo atípico, ‘sem jeito’ com o Congresso e de comunicação
amadora para nos mostrar que o Brasil nunca foi, e talvez nunca será, governado
de acordo com o interesse dos eleitores”, escreveu o autor. “Descobrimos que
não existe nenhum compromisso de campanha que pode ser cumprido sem que as
corporações deem suas bênçãos. Sempre a contragosto.”
O agenda do
governo de Bolsonaro, diz ainda o autor, não seria de interesse de nenhuma das
“corporações” - no que ele inclui empresários, sindicalistas, o Judiciário e o
Congresso - o “sequestro” do Estado por esses fica mais evidente.
“Todos nós sabíamos
disso, mas queríamos acreditar que era só um efeito de determinado governo
corrupto ou cooptado. Na próxima eleição, tudo poderia mudar. Infelizmente não
era isso, não era pontual. Bolsonaro provou que o Brasil, fora desses
conchavos, é ingovernável”, afirma.
O autor escreve
ainda que o país está “disfuncional” e que o presidente da República não serve
para nada a não ser organizar o governo de modo a responder aos interesses
dessas corporações, ou não consegue governar.
“Bolsonaro não é
culpado pela disfuncionalidade, pois não destruiu nada, aliás, até agora não
fez nada de fato, não aprovou nada, só tentou e fracassou. Ele é só um óculos
com grau certo, para vermos que o rei sempre esteve nu, e é horroroso”,
encerra.
Bolsonaro
compartilhou o texto depois de mais uma semana em que a relação do governo com
o Congresso se mostrou mais complicada do que nunca. Fontes ouvidas pela
Reuters confirmaram que o governo está em um de seus piores momentos no trato
com o Legislativo, depois de algumas derrotas em série. [nL2N22T0V4]
Sem base e sem
conseguir negociar, o Planalto vê por exemplo o risco de caducar a medida
provisória da reforma administrativa, que diminuiu o número de ministérios, e
está, segundo as fontes, na mão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ),
para tentar evitar a derrota.
Segundo o
porta-voz, além de compartilhar o texto, o presidente enviou um comentário em
que diz estar fazendo todo esforço para governar.
“Os desafios são
inúmeros e a mudança na forma de governar não agrada àqueles grupos que no
passado se beneficiavam das relações pouco republicanas. Quero contar com a
sociedade para juntos revertermos essa situação e colocarmos o país de volta ao
trilho do futuro promissor. Que Deus nos ajude!”, diz o texto de Bolsonaro.
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