Moro durante audiência no Senado. EVARISTO SA AFP
Associação de site e jornal debilita estratégia da defesa de
ministro de atacar divulgação de mensagens. Mais uma vez, material mostra
ex-juiz como conselheiro e espécie de coordenador da Lava Jato
FLÁVIA MARREIRO
São Paulo 23 JUN
2019
A crise
provocada pelo vazamento de mensagens entre o então juiz Sergio Moro e os
procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato parece longe do fim. Neste
domingo, a Folha de S. Paulo publicou, em parceria com o The Intercept, mais
uma reportagem com base em diálogo travado entre Moro e o procurador Deltan
Dellagnol, parte do acervo que o site diz ter recebido de uma fonte anônima.
Como nas reportagens anteriores, o agora ministro do Governo Bolsonaro aparece
repreendendo e aconselhando Dellagnol a respeito de passos da investigação,
conduta que se choca com a previsão de juiz distanciado das partes no direito
brasileiro. Os diálogos, segundo as publicações, acontecem durante um capítulo
emblemáticos da Lava Jato, dias depois do movimento mais controverso e de mais
impacto de Moro até então: a divulgação de interceptações telefônicas entre
Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff que incendiaram as ruas do país e
acelerariam a marcha do impeachment.
Moro e os
procuradores têm atacado a publicação dos diálogos, que se deram via aplicativo
Telegram, e têm dito que não podem garantir que as mensagens, que segundo eles
foram obtidas por hackers, não foram adulteradas. Seja como for, a associação
entre The Intercept e Folha, que o jornal anuncia que seguirá nos próximos
dias, dá mais voltagem política ao material e debilita a estratégia do ministro
de atacar a divulgação e a própria reputação do site progressista.
O The Intercept
diz que procurou parceiros para análise dado o volume do material e rechaça
ainda todas as acusações de que suas reportagens buscam proteger o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Já a Folha, o maior jornal brasileiro,
afirma não ter encontrado indícios de que o acervo fornecido pelo site tenha
sido adulterado e já havia advertido na semana passada que publicaria o
material, mesmo que se provasse que o pacote de mensagens é fruto da invasão
dos celulares —há uma investigação da Polícia Federal a respeito. O jornal
considera que a divulgação é de interesse público.
Na reportagem
deste domingo, as publicações exploram mensagens trocadas entre Moro e
Dellagnol a partir de 23 de março de 2016. O então juiz parece preocupado com a
repercussão negativa com a divulgação das gravação de Lula e Dilma e todo um
pacote de interceptações envolvendo a família do ex-presidente, algumas sem
qualquer ligação com as investigações. Havia críticas pelo açodamento de Moro
em divulgar os áudios minutos depois de recebê-lo, especialmente por causa do
trecho envolvendo Dilma, que como presidenta tinha foro privilegiado, ou seja,
fora da alçada de Moro. Oytra crítica era o fato de que a captação se dera fora
do período legal autorizado. Moro havia sido advertido pelo ministro Teori
Zavaski, então relator da Lava Jato do Supremo, e também temia punições no
âmbito do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o que não aconteceu.
Foi neste
contexto que ele avaliou que a Lava Jato cometera "uma lambança". A
Polícia Federal havia permitido a divulgação de uma lista apreendida em
escritórios da Odebrecht que supostamente implicava parlamentares e outros
políticos com foro privilegiado em doações ilegais, o que levava o caso para a
alçada do Supremo Tribunal Federal. "Não pode cometer esse tipo de erro
agora", disse S Moro a Deltan Dalagnol. O procurador da Lava Jato busca
animar Moro e promete apoio: "Faremos tudo o que for necessário para
defender você de injustas acusações", escreveu. Em outro momento, Moro
critica os "tontos" do MBL (Movimento Brasil Livre), um dos
principais movimentos de defesa da Lava Jato e do impeachment de Dilma, por
protestarem no condomínio do ministro Zavaski. "Isso não ajuda
evidentemente".
Todos os holofotes no STF
A guerra
política em torno do caso nos próximos dias deve se dar em duas frentes
principais: a política e a jurídica. Na primeira, a oposição tentará manter
viva a pressão sobre Moro para coletar assinaturas para uma eventual
investigação parlamentar sobre o caso, algo que soa pouco provável à luz das
revelações até agora. A segunda e mais importante é o Supremo Tribunal Federal.
Uma das duas turmas da corte prevê analisar na próxima terça-feira um pedido da
defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por corrupção no âmbito
da Lava Jato. Lula reclama que não teve julgamento justo dada a parcialidade
que atribui a Moro. A equipe legal do petista já pediu que as revelações do The
Intercept sejam incorporadas.
Ainda não é
certo que haverá julgamento —os ministros do STF, como já fizeram em outras
oportunidades, sempre podem lançar mão de instrumentos legais para adiar a
análise, apesar do desgaste que o movimento provocaria em parte da opinião
pública a essa altura. Na sexta, a procuradora-geral, Raquel Dodge, já se antecipou
tentando bloquear a investida da defesa de Lula. Ela destacou que "o
material publicado pelo site The Intercept Brasil ainda não havia sido
apresentado às autoridades públicas para que sua integridade seja aferida"
e disse que ainda está sendo investigado se o vazamento foi criminoso. Em linha
com Moro, Dodge diz ainda que não se sabe se as mensagens "foram
corrompidas, adulteradas ou se procedem em sua inteireza, dos citados
interlocutores".
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