(Foto: Agência Brasil)
A advogada Patrícia Tendrich Pires Coelho, empresária multimilionária
e uma das financiadoras do Instituto Mude – Chega de Corrupção, chegou a ser
investigada pela Lava Jato, mas apenas seus sócios foram alvo de denúncia.
Informações constam em mensagens vazadas pelo The Intercept, em nova parceria
com a Agência Pública
2 de setembro de
2019
Da Agência
Pública - O coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, captou
investimentos de grandes empresários para financiar o Instituto Mude – Chega de
Corrupção, criado para promover, além da própria operação, as dez medidas de
combate à corrupção e suas opiniões políticas. Mensagens trocadas entre o
procurador e membros do Instituto Mude no Telegram, recebidas pelo Intercept
Brasil e analisadas em conjunto com a Agência Pública, revelam que ele se
reuniu com empresários, às vezes a portas fechadas, na sede da Procuradoria,
para arrecadar verbas para a entidade. Uma empresária que foi “investidora
anjo” da organização: a advogada Patrícia Tendrich Pires Coelho seria depois
investigada pela Lava Jato, mas não foi denunciada pela operação.
Apesar de saber
que a empresa de Patrícia, a Asgaard Navegação S. A., fornecia navios para a
Petrobras e ter conhecimento de sua proximidade com o empresário Eike Batista e
com o banqueiro André Esteves, fundador do BTG Pactual – dois alvos da
força-tarefa coordenada por Dallagnol –, o procurador não só aceitou a sua
ajuda financeira como fez a ponte da empresária com os membros oficiais do
instituto e se reuniu com ela para tratar da doação.
Em um diálogo
com a integrante do Mude, Patrícia Fehrmann, em 29 de junho de 2016, Deltan diz
que conheceu Patrícia Coelho em uma viagem – ele não diz para onde – no dia
anterior à conversa: “Caramba. Essa viagem de ontem foi de Deus. Além dela,
estava um deputado federal que se comprometeu a apoiar rs”, escreveu, não
revelando quem seria o parlamentar a apoiar a entidade que se define como
“apartidária”.
Enquanto
discutiam a formalização do Mude no chat #Mude Delta,Fáb,Pat,Had,Mar, (formado
por membros da organização, incluindo Deltan Dallagnol), um dos fundadores do
instituto, Hadler Martines, escreveu em 29 de agosto de 2016: “Talvez vocês já
tenham feito isso mas sobre nossa investidora anjo, dei uma boa pesquisada
sobre seu histórico e realmente ela parece ser uma grande empresária
multimilionária e com grande trânsito com grandes empresários nacionais. Hoje
ela é sócia de empresa de frotas de navios (Aasgard) e de mineração e portos
(Mlog). Algumas coisas que me chamaram atenção: – sua empresa fornece navios
para a Petrobras; – ela é ex-banco Opportunity (famoso Daniel Dantas) – ela foi
ou é muito próxima do Eike Batista e também do André Esteves (BTG)”.
Dallagnol não
respondeu ao comentário. Ele e os integrantes do Mude que participavam do chat
– Fábio Oliveira, Patrícia Fehrmann, Hadler Martines e o pastor Marcos Ferreira
– se encontraram com Patrícia Coelho dia 8 de setembro daquele ano no Rio de Janeiro,
de acordo com os diálogos no Telegram.
No dia 11,
Hadler voltou a levantar suspeitas sobre a “investidora anjo”: “Sobre nossa
reunião com o Anjo, ainda estou com uma pulga atrás da orelha tentando entender
a razão do apoio financeiro tão generoso (sendo cético no momento)”, escreveu.
“Me pergunto se ela quer ‘ficar bem’ com o MPF por alguma razão… Ela já foi
conselheira do Eike e pelo que li dela, ela o representava em algumas
negociações. Sugestão: fiquemos atentos. Desculpem o provérbio católico, mas
quando a esmola é demais, o santo desconfia…”.
Ele enviou no
grupo um link com a reportagem da revista Exame: “Eike tenta sacar uns US$ 100
milhões, mas André Esteves barra”. A matéria informa que Patrícia Coelho era
apresentada por Eike Batista como sua consultora. A reportagem também diz que
Patrícia é egressa do banco Opportunity e sócia da companhia de navegação
Asgaard.
Dessa vez,
Deltan respondeu ao colega: “Boa Hadler. Mais cedo ou mais tarde descobriremos
isso”. Minutos depois, Deltan enviou uma mensagem para o procurador Roberson
Pozzobon questionando se o nome de Patrícia havia aparecido nas investigações.
O nome da
consultora de Eike Batista e “investidora anjo” do Instituto Mude, Patrícia
Coelho, apareceu nas investigações da Operação Lava Jato, e foi Deltan
Dallagnol quem deu a notícia para os colegas, no dia 25 de outubro de 2017:
“Caros, uma notícia ruim agora, mas que não quero que desanime Vcs. A Patricia
Coelho apareceu numa petição nossa e me ligou. Ela disse que tinha sociedade
com o grego Kotronakis (um grego que apareceu num equema de afretamentos da
petrobras e que foi alvo de operação nossa), mas ele tinha só 1% e ela alega
que jamais teria transferido valores pra ele… Falei que somos 13, cada um cuida
de certos casos, que desconheço o caso e que a orientação geral que damos para
todos que procuram é: se não tem nada de errado, não tem com o que se
preocupar; se tem, melhor procurar um advogado rs. Ouvindo sobre o caso
superficialmente, não posso afirmar que ela esteve envolvida ou que será alvo,
mas há sinais ruins. É possível que ela não tenha feito nada de errado, mas
talvez seja melhor evitar novas relações com ela ou a empresa dela, por
cautela”, escreveu, e concluiu: “Eis que vos envio como ovelhas ao meio de
lobos; portanto, sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas”.
Hadler lembrou
ao procurador das suas desconfianças: “Delta, sobre essa questão, lembro bem
como apesar de estarmos felizes com o apoio que estávamos recebendo à época,
ficamos com um pé atrás. Especialmente por prestar serviços à petro e por ter
sido sócia do Eike. Essa notícia não chega a nos surpreender e também não nos
desanima. Obrigado por compartilhar!”.
Sócios ocultos
Em julho de
2019, a força-tarefa da Lava Jato denunciou os sócios de Patrícia Coelho na
Asgaard Navegação S. A., o ex-senador pelo PMDB Ney Suassuna e Georgios
Kotronakis – filho do ex-cônsul honorário da Grécia no Rio de Janeiro,
Konstantinos Kotronakis, pelo envolvimento em esquema de corrupção nos
contratos de afretamento de navios celebrados pela Petrobras com armadores
gregos. Eles estavam sendo investigados desde 2015, uma vez que o inquérito
policial que embasou a denúncia data daquele ano mas., de acordo com o MPF, a
primeira menção à Asgaard ou a Patrícia ocorreu em 19 de abril de 2017, quando
se verificou que um dos investigados era sócio dessa e de outras empresas.
De acordo com a
acusação, o ex-senador “realizou reunião na Petrobras com Paulo Roberto Costa
para cooptar o então Diretor de Abastecimento da Petrobras, expondo as
intenções e colhendo cenários para obtenção de contratos de afretamento”.
Apesar de as relações de Patrícia Coelho com Ney Suassuna terem sido abordadas
na peça assinada por Deltan e outros 15 procuradores da República, Patrícia não
foi alvo da denúncia.
Na acusação, os
procuradores destacaram que “os contratos que constituíram Ney Suassuna como
sócio oculto de Patrícia Tendrich Pires Coelho na Asgaard Navegação S/A e nas
outras sociedades correlacionadas, correlatas, coligadas, controladas e/ou
subsidiárias, ele era referido como potencial e efetivo captador de negócios e
angariador de clientes”.
Em 2 de maio de
2014, a Petrobras, na sexta rodada do terceiro Programa de Renovação da Frota
de Embarcações de Apoio Marítimo (Prorefam), selecionou a Asgaard Navegação S.
A. para celebrar contratos de afretamento por oito anos, prorrogáveis por igual
período, de seis embarcações de apoio marítimo do tipo Platform Supply Vessel
(PSV – embarcações para transporte de cargas para as plataformas) que ainda
seriam construídas por estaleiros nacionais.
De acordo com a
acusação, Ney Suassuna se associou a Patrícia Coelho para que ambos se
tornassem investidores do Grupo Superpesa, que atuava nas áreas de movimentação
rodoviária e marítima de cargas superpesadas, construção e instalação de dutos
e equipamentos submarinos, construção de embarcações, navegação de apoio
marítimo, operação de terminal marítimo e aluguel de maquinário.
Tal grupo – que
se encontrava em situação financeira delicada, com elevadas dívidas, problemas
de gestão e ativos ociosos, segundo a denúncia – tinha como principal cliente a
Petrobras, que respondia, de forma direta ou indireta, por 60% de seu
faturamento. O grupo era proprietário também de terreno localizado no bairro de
Imboassica, Macaé (RJ), que estava sendo negociado com a Petrobras, por se
localizar dentro do Parque de Tubos da estatal.
Segundo os
procuradores, Ney Suassuna e Patrícia Coelho, diretamente ou por meio de suas
pessoas jurídicas, acordaram com o Grupo Superpesa o aporte de valores
milionários na empresa. Patrícia assumiu a vice-presidência do Conselho de
Administração e a diretoria do grupo e sua outra empresa, Voga Empreendimentos
e Participações Ltda., foi contratada para prestar consultoria à
Superpesa.
“Nesse contexto,
cumpre destacar duas medidas adotadas por Ney Suassuna e Patrícia Tendrich para
tentar salvar o Grupo Superpesa: i. foram recrutados os serviços de Jorge Luz e
Bruno Luz, os quais possuíam amplo acesso ao alto escalão da Petrobras
(principal cliente do Grupo Superpesa) e, como é sabido hoje, valiam-se da
prática de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro para conseguir alavancar
negócios dentro da estatal; e ii. foram estabelecidas tratativas para captação
de investimento do armador grego Tsakos Energy Navigation”, destacaram os
procuradores.
Na acusação,
eles observaram também que os sócios da Asgaard, “notadamente Ney Suassuna”,
optaram, em maio de 2014, por ocultar a participação de Georgios Kotronakis na
sociedade, a fim de evitar complicações nos contratos de afretamento
recém-celebrados pela Asgaard com a Petrobras. De acordo com a denúncia, Georgios
Kotronakis “tinha como função principal atuar no rateio do produto do crime e
na transferência de valores entre offshores, tendo, ao longo dos anos de
atuação da organização criminosa, autuado em dezenas de atos de lavagem de
ativos”. Ele administrava o braço da Asgaard em Londres, no Reino Unido, a
Asgaard Navigation LLP.
“Em suma, no que
toca aos integrantes dos núcleos operacional e administrativo, são os
principais integrantes, sem exclusão de outros ainda sob investigação, Ney
Suassuna, Henry Hoyer (ex-assessor de Ney Suassuna), João Henrique (filho de
Henry Hoyer), Konstantinos Kotronakis, Georgios Kotronakis, Jorge Luz
(colaborador), Bruno Luz (colaborador e filho de Jorge Luz) e Paulo Roberto
Costa (auxiliado por seu falecido genro Humberto Mesquita)”, aponta o
Ministério Público Federal.
A Asgaard não
quis comentar a denúncia do Ministério Público Federal com a justificativa de
que Patrícia Coelho “é apenas citada, não é denunciada”. “Não vamos fazer
nenhum comentário em relação a isso”, informou a assessoria de comunicação por
telefone. Ainda de acordo com a assessoria, a doação para o Instituto Mude foi
realizada “pela pessoa física, Patrícia Coelho”. “Ela foi feita no momento onde
o Brasil inteiro estava numa marcha contra a corrupção e a Patrícia identificou
uma possibilidade de ajudar nessa agenda contra a corrupção que o país
atravessava”, informou. “A Asgaard nunca teve nenhum tipo de benefício por ter
feito essa doação”, acrescentou.
0 comentários:
[ Deixe-nos seu Comentário ]
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor