Ângela Carrato*,
especial para o Viomundo
06/09/2019
“O Jornal
Nacional, da Rede Globo, um serviço de notícias integrando o Brasil novo,
inaugura-se neste momento: imagem e som de todo o país”.
Foi assim que o
apresentador Hilton Gomes abriu, em 1º de setembro de 1969, a edição inaugural
do que viria a ser o mais duradouro telejornal brasileiro.
E o então
desconhecido, Cid Moreira, o encerrou da seguinte maneira: “É o Brasil ao vivo
aí na sua casa. Boa noite”.
Alguns anos
depois, Cid Moreira já se transformava no mais conhecido apresentador
brasileiro, sepultando os anos de peregrinação em busca da fama em que fez um
pouco de tudo: tentou ser ator, gravou comerciais para rádio e TV e dublou
filmes.
O próprio Jornal
Nacional também já se transformava em uma espécie de bíblia noticiosa para
praticamente todos os lares brasileiros que dispunham de aparelho de televisão.
Para conseguir
essa façanha, Roberto Marinho, dono das então Organizações Globo, depois
rebatizadas por seus filhos como Grupo Globo, contou com o inestimável apoio
dos militares que, através do golpe civil-militar de 1964, haviam chegado ao
poder, derrubando o legítimo presidente, João Goulart.
Os militares e
seus apoiadores sonhavam com um Brasil unido de Norte a Sul a partir de seus
interesses e o esperto e ambicioso empresário Roberto Marinho lhes apresentou o
caminho: um telejornal que mostrasse, diariamente, a visão “correta” do Brasil
e do mundo.
A ideia foi
acolhida de imediato, mas faltava um requisito essencial: fazer o telejornal
chegar a todo o país.
E isso só
aconteceria se o governo militar de então, integrasse o Brasil através do
sistema de microondas. O que foi feito em prazo recorde.
Dito de outra
forma: a família Marinho ganhou de presente dos militares o sistema que lhes
possibilitou criar o primeiro telejornal que atingisse todo o país e desse para
a população a versão de Brasil e de mundo que interessava aos poderosos de
plantão.
Militares e
família Marinho ficaram felicíssimos e nós, contribuintes, pagamos e
continuamos pagando essa conta.
O fato de contar
com a chancela dos governos militares e de tornar-se uma espécie de porta-voz
deles fez com que o Jornal Nacional passasse a contar com anunciantes de peso,
além do próprio governo.
O JN e a TV
Globo devem aos governos militares, em especial ao de Artur da Costa e Silva
(1967-1969), a própria existência da emissora, que nasceu de uma ilegalidade
abafada e encoberta.
Se os militares
não tivessem abafado o caso, que ficou conhecido como Escândalo Globo –
Time-Life, o caminho natural seria a TV Globo perder a concessão do canal que
havia obtido do então presidente Juscelino Kubitschek em 1957, uma vez que era
vedada a presença de capital estrangeiro na mídia brasileira.
Proibição que se
manteve até 2002, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB),
através de uma Emenda à Constituição aprovada pelo Congresso Nacional, derrubou
essa proibição, ajudando, outra vez, as Organizações Globo, que precisavam de
investimentos externos para não quebrarem.
Talvez esteja aí
a origem da amizade inabalável entre o JN e FHC.
Nos governos
militares, na redemocratização do país ou agora nesse processo acentuado de
desdemocratização, a família Marinho sempre contou com o apoio e/ou o
beneplácito de governantes e da chamada “elite do atraso” brasileira.
O resultado é um
monstro que resiste a qualquer tipo de regulação ou controle social, com o JN
transformando-se não só no principal telejornal do país, mas na fonte maior de
desinformação para os brasileiros.
Sem o brilho de
outras épocas, o JN comemora cinco décadas de existência. Se a família Marinho
tem o que comemorar, conheça 12 razões pelas quais os brasileiros não têm nada
o que celebrar nesse aniversário.
1. MARINHO FICOU COM O CANAL 4 – Nos
idos de 1950, a rádio líder absoluta de audiência e mais querida do Brasil era
a Nacional, de propriedade do governo federal.
O sucesso era
tamanho que animou seus dirigentes a solicitarem ao presidente Juscelino Kubitschek
a concessão de um canal de TV. Juscelino considerou a reivindicação justa e
prometeu para “ breve” a concessão.
No final de
1957, o Canal 4 era concedido para a inexpressiva Rádio Globo, de Roberto
Marinho. As pressões do então magnata da comunicação, Assis Chateaubriand,
foram decisivas contra a Rádio Nacional. Ele aceitava qualquer coisa, menos que
a Nacional ingressasse no segmento televisivo.
O Brasil perdeu
assim a chance histórica de ter, no nascedouro, duas modalidades de televisão,
a comercial e a estatal voltada para o interesse público como seria a TV
Nacional.Sem a concessão do canal para a Globo, não haveria Jornal Nacional,
que até o nome foi copiado da Rádio Nacional.
2. O ACORDO QUE FERIU OS INTERESSES NACIONAIS – A TV Globo começou a operar de forma discreta em 26 de abril
de 1965 e seus primeiros meses foram um fracasso de audiência.
Sua operação só
foi possível graças aos milhares de dólares que recebeu do gigante da mídia
norte-americana Time-Life, apesar da emissora ainda hoje sustentar que se
tratou apenas de “um contrato de cooperação técnica”.
A realidade,
fartamente documentada por Daniel Herz, no já clássico livro “A história
secreta da Rede Globo” (1995) prova o contrário.
Roberto Marinho
e o grupo Time-Life contraíram um vínculo institucional de tal monta que os
tornou sócios, o que era vedado pela Constituição brasileira. Foi este vínculo
que assegurou à Globo o impulso financeiro, técnico e administrativo para
alcançar o poderio que veio a ter.
Mais uma vez a
ilegalidade garantiu a existência da TV Globo. E sem a TV Globo, não haveria
Jornal Nacional.
3. APOIO À DITADURA (1964-1985) – Durante quase 20 anos, TV Globo e governos militares viveram
uma espécie de simbiose.
Na prática, os
militares viabilizaram o JN, ao dotarem o país do sistema de microondas.
Satisfeitos por verem na telinha apenas imagens e textos elogiosos ao “país que
vai para a frente”, os governos militares retribuíam com mais e mais benesses e
privilégios para a emissora.
É verdade, por
outro lado, que o JN enfrentou alguns casos de censura oficial, mas o que
prevaleceu foi o apoio incondicional de sua direção aos militares e a
autocensura por parte da maioria de seus funcionários.
Some-se a isso
que o JN sempre se esmerou em criminalizar quaisquer movimentos populares.
Autocensura e criminalização dos movimentos populares foram e são a tônica do
JN e de seus profissionais.
4. COMBATE ÀS TVs EDUCATIVAS – No
poder, algumas alas militares viram na radiodifusão um caminho para combater a
“subversão” e, ao mesmo tempo, promover a integração nacional.
Por isso, em
1965, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) solicita ao Conselho Nacional de
Telecomunicações a reserva de 98 canais especificamente para a TV Educativa.
Pouco depois, Roberto Marinho começava a agir.
O decreto-lei nº
236 de março de 1967 formalizava a existência das emissoras educativas, mas
criava uma série de obstáculos para que funcionassem. O artigo 13, por exemplo,
obrigava estas emissoras a transmitirem apenas “aulas, conferências, palestras
e debates”, além de proibir qualquer tipo de propaganda ou patrocínio a seus
programas.
Traduzindo: as
TVs Educativas estavam condenadas à programação monótona e à falta crônica de
recursos. O que contribuiu para cristalizar a visão de que a Globo é sinônimo
de qualidade.
O JN, desde seu
surgimento, em setembro de 1969, sempre escondeu de seu público que em todas as
democracias existem três modalidades de TVs e rádios: as Públicas, as
Comerciais e as Estatais.
Aqui no Brasil,
quando, com décadas de atraso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou a
TV Brasil, a Globo e o JN a hostilizaram o quanto puderam.
A tática foi a
de ignorarem a sua existência, sem, no entanto, perderam oportunidade para se
referir a ela como “a TV do Lula” ou “elefante branco”.
A TV Brasil não
mereceu uma referência sequer no JN, seja no governo Temer, seja agora com
Bolsonaro, cuja determinação é destruí-la.
O JN e a Globo
não querem saber de concorrentes, especialmente aqueles que não se pautam pela
submissão aos interesses de seus donos e dos anunciantes, mesmo em se tratando
de uma concessão pública.
5. O PROGRAMA GLOBAL DE TELECURSOS – Em meados dos anos 1980, o projeto de Educação Continuada por
Multimeios envolvia um convênio entre a Secretaria de Planejamento da
Presidência da República, o BID, a Fundação Roberto Marinho (FRM) e a Fundação
Universidade de Brasília (FUB).
Aparentemente, o
objetivo era nobre: “o atendimento à educação de população de baixa renda do
país, mediante a utilização e métodos não tradicionais de ensino”.
Na prática, o
convênio ficou conhecido como Programa Global de Telecursos e atendia
exclusivamente aos interesses da FRM. Através dele, a FRM pretendia, sem
qualquer custo, apoderar-se do milionário “negócio” da teleducação no Brasil.
Para tanto,
esperava contar com recursos nacionais e internacionais inicialmente da ordem
de US$ 5 milhões embutidos em um pacote de U$S 20 milhões solicitados pelo
governo ao BID no início de 1982.
A tentativa das
Organizações Globo de se apropriar dos recursos destinados às TVs Educativas
chega à imprensa no início de 1983.
O “tiroteio”
entre os jornais Globo e Folha de S. Paulo durou meses e o convênio, que acabou
não sendo assinado, só foi sepultado três anos depois, com o fim do regime
militar.
O JN não deu uma
única notícia sobre o assunto, numa tática de silenciamento, que seria
utilizada em inúmeras outras situações. Ainda hoje a FRM representa o Brasil em
vários fóruns internacionais sobre educação.
Muito da relação
ambígua do JN com o governo Bolsonaro, aliás, tem a ver com essa questão, pois
a família Marinho ainda sonha em assumir o ensino a distância no Brasil (EAD),
possivelmente em parceria com a família do ministro da economia, Paulo Guedes.
Daí se ver
criticas a Bolsonaro no JN, mas jamais a Paulo Guedes, mesmo ele estando
destruindo a economia brasileira e prestes a acabar com a aposentadoria da
maioria da população.
6. O CASO PROCONSULT – Leonel
Brizola foi um dos políticos brasileiros mais combatidos pelo JN e pela família
Marinho. O patriarca Roberto Marinho nunca o perdoou por ter comandado a “rede
da legalidade”, emissoras de rádio pró João Goulart, quando da renúncia de
Jânio Quadros à presidência da República, em 1961. Com a vitória do golpe
civil-militar de 1964, Brizola foi para o exílio e só pode retornar ao Brasil
com a anistia, em 1979.
O Caso
Proconsult foi uma tentativa de fraude nas eleições de 1982 para inviabilizar a
vitória de Brizola para o governo do Rio de Janeiro.
A fraude foi
denunciada pelo Jornal do Brasil, então o principal concorrente de O Globo e
relatada pelos jornalistas Paulo Henrique Amorim, Maria Helena Passos e Eliakim
Araújo no livro “Plim Plim, a peleja de Brizola contra a fraude eleitoral”
(Conrad, 2005).
Devido à
participação de Marinho no caso, a tentativa de fraude é analisada no
documentário britânico Beyond Citizen Kane, de 1993.
A TV Globo,
através do JN, defendeu-se argumentando que não havia contratado a Proconsult e
que baseava a totalização dos votos em apuração própria.
Em 15 de março
de 1994, Brizola, como governador, voltou a venceu a TV Globo ao obter, na
Justiça, direito de resposta na emissora contra críticas de que era vítima.
Por determinação
da Justiça, a Rede Globo foi obrigada através do JN, a ler um direito de
resposta ao então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, sobre acusações
feitas pelo próprio telejornal da emissora.
Esse fato se
tornou histórico e acredita-se que, em breve, o JN terá igualmente que ler
vários outros direitos de resposta de todas as acusações injustas que fez em
parceria com a Operação Lava Jato, contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, como tem mostrado os vazamentos do site The Intercept Brasil.
7. IGNOROU AS DIRETAS-JÁ – O primeiro
grande comício das “Diretas-Já” aconteceu em São Paulo, em 25 de março de 1984
e coincidiu com o 430º aniversário da cidade.
O JN cobriu a
festa, mas ignorou o comício que reuniu milhares de pessoas na Praça da Sé.
Omissões semelhantes repetiram-se em outras praças da emissora.
De acordo com o
ex-vice-presidente das Organizações Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho,
o Boni, em entrevista ao jornalista Roberto Dávila, na TV Cultura, em dezembro
de 2005, foi o próprio Roberto Marinho, quem determinou a censura aquele
comício.
A versão de Boni
é diferente da que aparece no livro “Jornal Nacional – A Notícia Faz História”
(Zahar, 2004), e que representa a versão da Globo.
Aliás, a
emissora vem tentando reescrever a sua história e, ao mesmo tempo, reescrever a
própria história brasileira.
A partir das
Diretas-Já teve início a utilização, pelos movimentos populares, do bordão “O
povo não é bobo. Abaixo a Rede Globo”.
Bordão cada dia
mais presente seja nas manifestações do Fora Temer, seja nas manifestações
contra Bolsonaro e seu desmonte da educação, da cultura e da política em defesa
do meio ambiente brasileiros.
8. COLLOR X LULA – Na eleição de
1989, a TV Globo manipulou o último e decisivo debate entre o candidato do PT,
Luiz Inácio Lula da Silva e o do PRN, Fernando Collor.
No telejornal da
hora do almoço, a emissora fez uma edição equilibrada do debate. Para o JN,
houve instruções para mudar tudo e detonar Lula, editando-se os seus piores
momentos e os melhores de Collor.
Desde então,
pesquisas e estudos sobre este “caso” têm sido feitas, destacando-se as
realizadas por Venício A. Lima, professor aposentado da Universidade de
Brasília (UnB).
9. CONTRA A DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA – Todos os países democráticos possuem regulação para rádio e
televisão.
Na Grã-Bretanha,
por exemplo, a mídia e sua regulação caminharam juntas. Quando, em 2004, o
governo Lula enviou ao Congresso Nacional projeto de lei criando o Conselho
Nacional de Jornalismo, uma espécie de primeiro passo para esta regulação, foi
duramente criticado pela mídia comercial, JN à frente.
Desde sempre, as
Organizações Globo foram contrárias a qualquer medida que restrinja o poder
absoluto que a mídia desfruta no Brasil. Prova disso é que o Capítulo V da
Constituição brasileira, que trata da Comunicação Social, até hoje não saiu do
papel.
Os compromissos
dos mais diversos movimentos sociais brasileiros com a regulação da mídia foram
reafirmados durante o 2º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação, de 10 a
12 de abril 2015 em Belo Horizonte.
Sua carta final,
“Regula Já! Por mais democracia e mais direitos”, (disponível na página
www.fndc.org.br), conclamava os movimentos sociais e ativistas a unirem forças
para pressionar o governo a abrir o diálogo com a sociedade sobre a necessidade
de se regular democraticamente a mídia.
O JN nunca
publicou uma notícia sequer sobre democratização da mídia, como se o assunto
não fosse do interesse do seu público e igualmente não fosse fundamental para a
democracia no Brasil. O nome disso é censura empresarial.
10. GOLPISMO – O JN teve
papel protagonista nas manifestações contra a presidente Dilma Rousseff e o PT.
Alguns
estudiosos afirmam que dificilmente estas manifestações teriam repercussão se
não fosse o JN, que pautou a opinião pública a favor dos golpistas.
Em outras
palavras, o JN e a própria TV Globo, tão avessos à cobertura de quaisquer
movimentos populares, entraram de cabeça na transmissão destas manifestações.
No domingo
15/04/2015, por exemplo, a TV Globo mobilizou, como há muito não se via, toda a
sua estrutura com o objetivo de ampliar e dar visibilidade aqueles atos, que
ganharam enorme repercussão no JN do dia seguinte.
A título de
comparação, as manifestações de 13/04/2015, que também aconteceram em todo o
Brasil e defenderam a Reforma Política proposta por Dilma Rousseff, não
mereceram cobertura minimamente significativa por parte do JN.
Nas redes
sociais, internautas repudiaram a cobertura feita pelo JN Globo e alcançaram,
durante 48 horas ininterruptas, para a hastag#Globogolpista, a primeira posição
entre os assuntos mais comentados no Twitter até então.
11. JN PARCEIRO DA OPERAÇÃO LAVA JATO – Em 16 de março de 2016, o JN divulgou com o maior estardalhaço
possível vazamento criminoso da Operação Lava Jato, contendo um diálogo entre a
então presidente Dilma e o ex-presidente Lula, às vésperas de ele ser nomeado
ministro chefe da Casa Civil.
O diálogo em si
não continha nada demais, mas foi apresentado pelo JN como algo ilegal e prova
de que Dilma queria proteger Lula.
O assunto teve
um enorme impacto e o STF acabou impedindo Lula de tomar posse no cargo, sob o
argumento de que ele era investigado pela Justiça. Curiosamente, outros
ministros, sejam de Temer ou de Bolsonaro, puderam tomar posse, mesmo
investigados, e o STF não viu nada demais e o JN muito menos.
Quanto ao JN,
ele é o mesmo que hoje tenta criminalizar os vazamentos do site The Intercept
Brasil, que vem divulgando diálogos nada republicanos, que deixam em situação
muito ruim parte da justiça brasileira, a começar pelo ex-juiz e atual ministro
da Justiça, Sérgio Moro, e o procurador federal, Deltan Dallagnol.
Como já explicou
o jornalista e responsável pelo site The Intercept Brasil, Glenn Grenwald, ele
procurou o Grupo Globo, da mesma forma que procurou a maior parte dos veículos
de comunicação brasileiros para fazerem parceria nessa divulgação.
A maioria desses
veículos, a começar pelo jornal Folha de S. Paulo, revista Veja e Grupo Bandeirantes
está participando.
Mas o JN e
demais veículos do Grupo Globo continuam de fora, ignorando a Operação Vaza
Jato, como os vazamentos do The Intercept Brasil estão sendo chamados.
Pelo visto, o JN
continua acreditando que se ele não divulgar, as pessoas não ficarão sabendo,
subestimando o poder da mídia digital e das redes sociais.
12. JN MORDE E ASSOPRA BOLSONARO – Em 2013, a Globo reconheceu em editorial lido no Jornal
Nacional, 49 anos depois e pressionada pelas manifestações de junho, que o
apoio ao golpe civil-militar de 1964 e ao regime subsequente foi um “erro”.
O JN fez isso,
temendo a fúria das ruas, onde populares começavam a quebrar carros de
reportagem da TV Globo e a ameaçar seus jornalistas.
Tanto que as
coberturas dessas manifestações tiveram que ser feitas do alto dos edifícios ou
por helicóptero.
Mesmo assim, o
JN voltou a incorrer no mesmo erro. A pesquisa que a jornalista Eliara Santana
e eu estamos realizando, desde 2018, sobre o JN – e que vem sendo divulgada
pelo Viomundo – tem demonstrado que ele foi o principal veículo da mídia
televisiva brasileira a combater e criminalizar sistematicamente o PT, Dilma
Rousseff e Lula.
O JN, por
exemplo, naturalizou o golpe contra Dilma, possibilitou a condenação e a
prisão, sem provas de Lula, com o objetivo de impedir que ele disputasse as
eleições de 2018.
O JN criou,
igualmente, a fama de “inimigos da corrupção” que cercou o juiz de primeira
instância Sérgio Moro e o procurador da República, Deltan Dallagnol, ambos
nomes chave da Operação Lava Jato.
Operação que
continuaria sendo sinônimo de combate à corrupção se não fossem os vazamentos
do site The Intercept Brasil, que têm deixado Moro e sua turma nus.
Foi o JN,
também, quem igualmente deu suporte fundamental à candidatura de Jair
Bolsonaro, um inexpressivo parlamentar do baixíssimo clero brasileiro, cujo
objetivo era neutralizar a candidatura de Lula, para que fosse aberto espaço
para um nome de centro para a presidência da República, sonho acalentado
naquela época e ainda hoje pela família Marinho.
Mesmo com Lula
fora do páreo em 2018, o desempenho dos candidatos de centro foi pífio.
A tentativa do
JN/Globo de emplacar Luciano Huck como candidato à presidência da República
acabou frustrada, porque Huck temeu que denúncias contra seu padrasto, Andrea
Calabri, viessem à tona.
Já os nomes de
Henrique Meirelles, Geraldo Alckmin e João Amoedo terminaram o primeiro turno
atrás até mesmo do folclórico cabo Daciolo.
Ao contrário da
tática adotada na época das diretas-já, que valeu tanto desgaste às
Organizações Globo e até mesmo o pedido público de desculpas pelo apoio à
ditadura, agora a família Marinho tenta um caminho diferente.
Ela vai ficar
nesse morde e assopra Bolsonaro o máximo possível. Dados aos absurdos que
Bolsonaro tem protagonizado no país e no mundo, não é simples para o JN
continuar respaldando-o.
Mas se o
telejornal o mostrasse tal como ele realmente é, poderia contribuir para a
volta de Lula e do PT ao poder.
E isso a família
Marinho não gosta nem de ouvir falar. Daí criticar o governo Bolsonaro nas
chamadas “pautas culturais e morais”, mas fechar com ele em todas as questões
relativas à retirada de direitos dos brasileiros, às privatizações de empresas
estatais e à entrega das riquezas nacionais ao capital internacional.
Em oito meses de
governo, Bolsonaro não queimou apenas o seu capital político. Junto com ele
está queimando também o capital simbólico conquistado pelo JN nesses 50 anos de
existência.
O lamentável
papel do JN na história brasileira está mais do que visível.
E, dessa vez,
não adiantará William Bonner, Renata Vasconcellos ou quem quer que seja o
apresentador da vez, pedir desculpas ao respeitável público.
*Ângela Carrato
é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG).
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