"O amplo descontentamento popular contra Bolsonaro serve de
alerta a quem pode ser levado a aceitar a derrota antes de travar a luta,"
escreve Paulo Moreira Leite. "Numa situação de ruína da economia, salário
baixo e desemprego, a perspectiva é de crescimento das mobilizações e grandes
enfrentamentos"
Paulo Moreira
Leite é colunista do 247, ocupou postos executivos na VEJA e na Época, foi
correspondente na França e nos EUA
3 de setembro
de 2019
É preciso
reconhecer que a grande novidade sobre o governo Jair Bolsonaro foi registrada
por Marcos Paulino e Alessadro Janoni, responsáveis pela mais recente pesquisa
Data Folha. Após confirmar o desmoronamento de Bolsonaro entre os eleitores
brasileiros, eles escrevem:
"Um em
cada quatro dos que votaram no capitão reformado não repitiria a opção caso o
pleito fosse hoje, garantindo a Fernando Haddad uma liderança apertada mas fora
dos limites da margem de erro".
Essa avaliação
confirma os traços principais da eleição de 2018 e seus reflexos no governo que
tomou posse em janeiro de 2019.
Bolsonaro
obteve uma vitória apertada -- 39% do
total de votos -- e frágil pela consistência política. Empossado sem reservas
para queimar, já enfrenta a rejeição de camadas gigantescas da população, com o
mais alto índice de reprovação em oito meses de mandato desde Fernando Collor,
que caiu dois anos depois da posse.
A rejeição
cada vez maior de Bolsonaro é produto de trapalhadas amazônicas, vídeos
mal-educados e várias manifestações estúpidas. Essencialmente, contudo, é um
reflexo da piora dramática nas condições de vida da população, forçada a
enfrentar uma situação de ruína econômica e desemprego. Bolsonaro perde apoio em todas as camadas da
população, mas a rejeição de grandes parcelas empobrecidas explica o novo
ambiente do país. O repúdio crescente entre a população com mais de 45 anos
mostra a dificuldade para se digerir a reforma da Previdência.
Nesta
situação, a perspectiva é que o amplo descontentamento de hoje venha a
ampliar-se, em grandes mobilizações e enfrentamentos no futuro. Se Bolsonaro
tivesse compromissos com a preservação de seu governo em bases democráticas,
sua reação na presente conjuntura seria racional -- promover uma correção de rota na economia
para tentar recuperar apoio político.
Filhote da
linha dura do regime militar, que conspirava com bombas e atentados contra a
abertura controlada de Geisel e Figueredo, a aparente irracionalidade de suas
atitudes e decisões obedece a outra lógica.
Sua prioridade
permanente é sabotar por dentro aquelas instituições que permitem o
funcionamento do Estado Democrático de Direito para construir um regime de
força. Os compromissos de Bolsonaro com
o Estado Mínimo, com a privatização de estatais e a entrega de riquezas
nacionais para os EUA de Donald Trump
têm prioridade sobre qualquer mudança em benefício do bem-estar da
população. Seu horizonte é a desmoralização de lideranças e instrumentos
políticos -- sindicatos, o SUS, o ensino público, em certa medida a
imprensa -- que protegem a soberania da
nação.
Bolsonaro
chegou ao Planalo como um candidato a ditador. O amplo descontentamento popular
serve de alerta àqueles que, às vezes sem perceber, podem ser levados a aceitar
a derrota antes de travar a luta. Vivendo numa situação na qual elementos de
exceção convivem com o regime democrático, a rejeição dos brasileiros e
brasileiras a Bolsonaro mostra a necessidade de impedir o nascimento de uma
ditadura.
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