(Foto: Ag. Senado | STF)
"Ainda que tarde, a revisão das prisões após segunda
condenação é um avanço", avalia a jornalista Tereza Cruvinel.
"Representa a remoção de uma pedra do entulho autoritário que vem se
acumulando desde o início da Lava Jato e da deformação do sistema de Justiça em
nome do combate à corrupção, para alcançar os objetivos políticos que estão na
cara de todos nós"
15 de outubro
de 2019
Colunista do
247, Tereza Cruvinel é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País
O Supremo
Tribunal Federal já enfrenta tarde a questão das prisões após condenação em
segunda instância, uma licença constitucional que o tribunal permitiu mas foi
transformada em regra inconstitucional pela Lava Jato. É tempo mesmo de
prestarem homenagem à Carta de 88 e começar a restabelecer o pleno Estado de
Direito. Mas por que Toffoli preferiu pautar para quinta-feira este caso e não
o julgamento do HC da defesa do ex-presidente Lula arguindo a parcialidade de
Sergio Moro? Parece que Toffoli optou
por uma fórmula de liberar Lula que evita confronto com Moro e mantém o
ex-presidente sem o direito político de se candidatura a cargos públicos.
A licença para
prender após a segunda condenação deveria ter sido apreciada pelo plenário do
STF até o final do ano passado. Toffoli, entretanto, desafiou a paciência do
relator, ministro Marco Aurélio, e prometeu pautar a matéria este ano. Inicialmente,
faria isso em abril. Foi-se abril e foi se quase todo o ano. Agora, quando o HC
de Lula está na bica para ser julgado, sob o estrépito das revelações da Vaza
Jato demonstrando a parcialidade de Moro, sua perseguição a Lula e seus
conluios com os acusadores do Ministério Público, Toffoli muda o rumo das
coisas. Pouca Moro deste julgamento que
poderia jogar a pá de cal na Lava Jato e em seu principal personagem, e põe em
pauta a questão da segunda instância.
Que diferença
fará Lula ser solto por uma razão ou outra? Muita.
Se na
quinta-feira, como tudo indica, o tribunal revogar a permissão para prisões em
segunda instância, restabelecendo a voz da Constituição (
“ninguém será
condenado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória”),
Lula e outros milhares de presos e presas serão soltos.
E, neste caso, ele nem poderá dizer, como em
relação à progressão para o regime semi aberto, que não aceita nada menos que
sua inocência. O sistema de Justiça simplesmente determinará a soltura de todos
porque nova regra foi estabelecida. E saindo nestas condições, Lula terá a
liberdade mas continuará inelegível.
Por que?
Porque a inelegibilidade não deriva do fato de ter sido preso mas sim do fato
de ter sido condenado em segunda instância. É o que determinada a Lei da Ficha
Limpa.
Lula só se
tornará novamente elegível se as suas condenações forem anuladas. Se não
estiver condenado em segunda instância.
O caminho mais curto e reto neste sentido viria
do reconhecimento, pelo STF, de que ele não teve direito a um julgamento justo,
por não ter sido Sergio Moro um juiz imparcial. Neste caso, seus processos
voltariam à fase da denúncia, como já disse o ministro Gilmar Mendes. Não
estando ainda condenado, Lula estaria novamente em condições de ser candidato a
qualquer cargo. Só perderia este direito se fosse novamente condenado pela
segunda vez, o que, em condições normais de funcionamento da justiça, levaria alguns
anos. Aquela velocidade com que seu processo passou da primeira para a segunda
instância, gerando a condenação pelo TRF-4, foi anormal, todo os passarinhos
sabem; atendeu ao objetivo político essencial da Lava Jato, que era tirar Lula
da disputa presidencial, favorecendo o segundo colocado, Bolsonaro, de quem
Moro viria a ser ministro. Muito simples.
Então, com
toda vênia, Toffoli mais uma vez referenciou Bolsonaro à custa de Lula. O
presidente de hoje já lhe deve suspensão das investigações sobre as ligações de
seu filho Flavio com a conta bancária de Queirós e outras emaranhados
financeiros. É verdade que Bolsonaro não
tem movido palha por Moro mas uma declaração de parcialidade vinda do STF,
seguida de anulação das condenações de Lula, desmoralizaria tão completamente
seu ministro da Justiça que ele teria de sair do governo. Por ora, pelo menos,
isso ainda não interessa a Bolsonaro. Moro ainda é popular, ainda representa o compromisso com o
combate à corrupção, que vai ficando nas palavras, cada vez mais. Depois, para Bolsonaro o melhor é ficar mesmo com um
ministro da Justiça que lhe permite fazer uso da Policia Federal como coisa
sua, para usá-la em seus acertos de contas,
como no caso de hoje, com a operação desencadeada contra o agora inimigo
Luciano Bivar. Que lhe permita fazer da PF um instrumento de seu ódio, a ser
usado na escalada autoritária que está no ar, que só não sente e pressente quem
não quer.
Assim fez
Toffoli. Deixou a pior saída para Lula e reservou a melhor para Moro e Bolsonaro.
Mas, ainda que
tarde, a revisão das prisões após segunda condenação é um avanço. Representa a
remoção de uma pedra do entulho autoritário que vem se acumulando desde o
início da Lava Jato e da deformação do sistema de Justiça em nome do combate à
corrupção, para alcançar os objetivos políticos que estão na cara de todos nós.
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