(Foto: Gustavo Bezerra/Câmara | Nívea Magno/Estudantes NINJA)
"Não é de parlamentarismo fake, mas de luta, que o povo
precisa para se salvar de Bolsonaro e sua agenda neoliberal. O sistema político
brasileiro, superado historicamente, tornou-se uma especie de trambolho, não
serve mais como instrumento para operar mudanças de fundo e encontrar saídas
eficazes e duradouras para a encruzilhada histórica do Brasil", escreve o
jornalista José Reinaldo Carvalho
1º DE JANEIRO
DE 2020
Por José
Reinaldo Carvalho, para o Jornalistas pela Democracia - O ano de 2019 deixa legado positivo? Sem
dúvida, malgrado a predominância de acontecimentos nefastos na vida
nacional.
Mas é
necessário questionar se as pequenas conquistas alcançadas, a rejeição a
algumas propostas do governo correspondem aos manejos de setores políticos das
classes dominantes que se vendem como democráticos e defensores do Estado de
direito, ou às lutas do povo brasileiro pela democracia, direitos sociais e
soberania nacional.
Os louros da
resistência pertencem ao povo, num quadro de enormes restrições à atividade de
suas organizações políticas e sociais.
Apesar de
profundamente golpeadas pelas medidas antidemocráticas do governo Bolsonaro,
entre elas a tentativa de estrangulamento financeiro, as entidades dos
movmentos sociais comandaram a resistência e saíram às ruas em luta contra a
reforma da Previdência, a liquidação dos direitos laborais, em defesa da
educação, da saúde, da cultura e dos direitos democráticos.
Principalmente
durante o primeiro semestre foram intensas as lutas sindicais e estudantis nas
ruas.
A libertação
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a mais importante vitória
democrática deste ano, fruto da luta nacional e internacional. Aqui confluíram
visões políticas amplas, coordenação de ações com forças políticas as mais
diversas de dentro e fora do país, a batalha de ideias e a defesa no plano
jurídico. A campanha Lula Livre é uma experiência virtuosa e já está
incorporada ao acervo de lutas e conquistas do povo brasileiro.
Muito embora
Lula esteja ainda com seus direitos políticos cassados e permanentemente
ameaçado por processos e investigações viciados, ele é um fator de impulsão às
lutas populares e exerce positiva influência na cena política nacional. Sua
ação dirigente pode impor novo rumo e ritmo às lutas e ao empenho das forças
progressistas e de esquerda para forjar a ampla aliança - baseada na unidade
popular dessas forças -, indispensável para constituir um bloco capaz de
promover mudanças reais e não de fachada na situação do país.
Mas nesta
época de balanço cada setor político procura valorizar a sua atividade em busca
de protagonismo político. O presidente
da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, não perde a oportunidade para se colocar
como o grande articulador e fiador da luta pela democracia. "A coragem dos
líderes no Parlamento, que tomaram a frente da resistência a um processo fadado
a destruir pontes de diálogo historicamente construídas por organizações e
entidades da sociedade civil, tem de ser enxergada como legado positivo de
2019", escreveu em artigo publicado na semana passada.
Maia pretende
ainda que sob seu comando o parlamento, de maioria conservadora, desempenhou
"papel de moderador do ativismo legal de um governo que nem sempre escutou
de forma ampla as diferentes vozes da sociedade num Brasil que é mosaico de
culturas, de religiões, de credos, de etnias e de gêneros".
O chefe da
Câmara e seus seguidores nos partidos de direita e centro-direita atuaram ao
longo de 2019 numa perspectiva de "parlamentarismo informal", no qual
ele seria na prática o primeiro-ministro. Nesse sentido, explora com maestria
suas qualidades de político afeito ao diálogo, que soube construir sólidas
pontes com o governo de extrema-direita e consegue percorrer alguns atalhos que
o levam a se relacionar com setores progressistas.
Não se pode
negar a utilidade da luta que a oposição democrática e popular levou a efeito
durante o ano que finda no âmbito do Parlamento, por meio dos partidos de
esquerda. Mostrou-se correta a conduta tática de explorar as contradições entre
os partidos da oposição conservadora e o governo Bolsonaro, derrotando-o em
vários episódios em que parecia incontível a sua fúria fascistizante.
Mas é um
exagero imaginar que o país esteja vivendo sob um "parlamentarismo"
informal e uma vã ilusão depositar no suposto primeiro-ministro as esperanças
de que sob sua liderança, como presidente da Câmara ou em outros postos, as
franjas das classes dominantes que fazem oposição formal a Bolsonaro vão
reconduzir o Brasil à democracia.
A oposição
conservadora a Bolsonaro é sua aliada na imposição de uma agenda socioeconômica
antipopular, antioperária e
antinacional. Os partidos de centro e centro direita que se apresentam
como defensores do Estado democrático de direito são os principais responsáveis
no Congresso Nacional pela aplicação desse programa retrógrado.
Além disso,
invocar um parlamentarismo fake, como saída formal ou informal para superar as
crises provocadas pelo golpe de 2016, que tiveram estes mesmos partidos à
frente, e pelo governo de Bolsonaro, tem o mesmo efeito de receitar mezinha a
um doente terminal.
Não é de
parlamentarismo fake, mas de luta, que o povo precisa para se salvar de
Bolsonaro e sua agenda neoliberal. O
sistema político brasileiro, superado historicamente, tornou-se uma especie de
trambolho, não serve mais como instrumento para operar mudanças de fundo e
encontrar saídas eficazes e duradouras para a encruzilhada histórica do
Brasil.
A constatação
disso é o primeiro passo para abrir um debate estratégico entre as forças
progressistas, do qual resulte uma linha política transformadora.
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