AGÊNCIA BRASIL/EBC
Para professor da Unicamp, pesquisa do IBGE que mostra retração
da indústria revela incapacidade de reação do setor e perspectiva de reversão
do quadro é muito difícil
Por Eduardo
Maretti | 10/01/2020
Segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção industrial
brasileira caiu 1,2% em novembro, configurando o pior resultado para o mês de
novembro desde 2015. Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (9). A queda
não é apenas episódica, apesar de o resultado interromper uma sequência de três
altas seguidas, em agosto, setembro e outubro. A produção recuou 1,1% de
janeiro a novembro; 1,3% em 12 meses; e 1,7% na comparação com novembro de
2018.
No período de
outubro a novembro de 2019, os dados indicam queda em importantes segmentos
industriais. Bens de consumo duráveis (-2,4%), bens intermediários (-1,5%),
bens de capital (-1,3%) e bens de consumo semi e não duráveis (-0,5%).
Das dezesseis
categorias pesquisadas, dez apresentaram queda, entre as quais se destacam
veículos automotores (-4,4%), produtos alimentícios (-3,3%), indústria
extrativa e máquinas e equipamentos (-1,6%). Tiveram desempenho positivo seis
categorias, entre as quais impressão e produção de gravações (24%), derivados
de petróleo e biocombustíveis (1,6%) e
produtos de borracha e material plástico (2,5%).
Para Marco
Antonio Rocha, do Instituto de Economia da Unicamp, é preocupante o fato de a
taxa de câmbio ter apresentado uma tendência a desvalorização durante todo o
ano 2019, o que poderia ter fornecido algum alento para a produção industrial.
Entretanto, isto não ocorreu. “Portanto, os dados preocupam, em primeiro lugar,
porque sugerem certa incapacidade de reação da indústria nacional a uma mudança
positiva nos preços relativos.”
Outras
características dessa retração chamam a atenção. “Primeiramente, a retração foi
bem mais intensa nos setores importantes como bens de consumo duráveis,
indicando, pelo menos, uma disposição menor das famílias em consumir.”
Para Rocha,
isto é sintomático do estado do mercado de trabalho. “A maior geração de
empregos precários também se reflete em uma menor capacidade em comprometer
renda com o financiamento de bens duráveis e, portanto, com certa incapacidade
de recuperação do mercado doméstico.”
Chama a
atenção, também, a queda acentuada em bens de capital e bens intermediários,
dado que “representa a queda da demanda intraindustrial, isto é, uma queda na
propensão da indústria em investir e adquirir insumos produtivos”.
Rocha destaca
que esse dado é preocupante porque, geralmente, sugere uma continuação da
tendência de queda da produção industrial. “Tudo isso indica a continuação de
um cenário de semiestagnação pelo menos para o curto e médio prazo na economia
brasileira.”
Crise crônica
A crise industrial
brasileira não passa por momento difícil apenas recentemente. “A crise é
crônica desde a década de 1990”, diz. Segundo ele, essa crise se relaciona com
a incapacidade do país de “assimilar o paradigma da microeletrônica e os
efeitos decorrentes disso em termos de assimilação e difusão das novas
tecnologias, além da incapacidade do Estado brasileiro em reorganizar um
projeto industrialista para além do modelo esgotado na década de 1970”.
Para piorar o
quadro, em sua análise, “os poucos mecanismos de proteção à indústria nacional
reativados nos anos 2000 foram praticamente desmontados ou demonizados a partir
do governo de Michel Temer e, depois, na recém-iniciada era Bolsonaro”.
A constatação
é de que o Brasil está cada vez mais distante da conjuntura internacional,
aponta o economista da Unicamp. “Hoje, é ponto pacífico que as economias
desenvolvidas estão retomando as políticas industriais de grande porte.
Enquanto isso, desmontamos nossos mecanismos de fomento.”
O Brasil não
tem sequer empresas preparadas à assimilação do próximo paradigma tecnológico:
a indústria 4.0. “A situação da
indústria brasileira nunca foi tão grave.”
Diante desse
cenário, avalia Marco Antonio Rocha, a perspectiva de reversão do quadro é
muito difícil, mesmo se houver uma mudança significativa da conjuntura
econômica internacional, cenário que, segundo ele, não parece muito provável.
Assim, o
esvaziamento da industrial nacional deixou o complexo industrial brasileiro com
pouca capacidade de sustentar um ciclo de crescimento. “Qualquer retomada do
crescimento econômico, nessa situação, teria como paralelo o ressurgimento de
déficits comerciais. Tudo vai depender muito da conjuntura internacional
durante 2020.”
Para o
economista, pode haver outras fontes de crescimento para a economia brasileira
durante 2020, como o investimento em construção civil, por exemplo, mas há uma
questão importante: “como um impulso de demanda poderá se sustentar diante de
um processo adiantado de desindustrialização?”
“Caso o câmbio
continue nesse patamar (hoje, o dólar oscila pouco acima de R$ 4), a indústria
pode até reagir, mas acho difícil que, sem a mudança da conjuntura
internacional, estímulos internos e demanda possam garantir um ciclo de
crescimento a partir do que sobrou da indústria nacional.”
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