POR FERNANDO
BRITO · 28/01/2020
Um texto que
dói, o de Paulo Nogueira Batista Jr. – para mim, o mais lúcido pensador
econômico do Brasil -, publicado originalmente no GGN:
Dialética do subdesenvolvimento
Paulo Nogueira
Batista Jr. no GGN
Hoje queria
escrever um pouco sobre um dos meus assuntos prediletos e obrigatórios – o
Brasil e, em especial, a política externa do país. No ano passado, animei-me a
publicar um livro com o título “O Brasil não cabe no quintal de ninguém”. Não
cabe mesmo, leitor. Mas o pessoal se esforça – e como!
Considere, por
exemplo, a política externa do governo atual. O vexame é completo, quase
inacreditável. Se fosse o caso de resumi-la em uma frase apenas, diria que se
trata de uma tentativa canhestra, mais do que canhestra: grotesca, de enquadrar
o país no quintal do grande irmão do Norte. Não há nenhuma razão aparente para
empreender tal tentativa. Nada nos obriga à submissão, a abdicar da nossa
autonomia e até do mínimo de dignidade que deve reger o comportamento de
qualquer governo, particularmente em países de porte continental como o Brasil.
Tudo se passa, entretanto, como se tivéssemos perdido uma guerra e o país
estivesse agora entregue a prepostos de forças estrangeiras – prepostos
medíocres e subservientes.
Nunca foi tão
verdadeira a observação de que o brasileiro não está à altura do Brasil. Os
americanos não queriam, é certo, um Brasil independente, com voz própria. Mas
não imaginavam que pudessem obter sem grande esforço uma rendição tão completa
e vergonhosa. A verdade é que esse imenso país sul-americano está sendo
entregue de mão beijada.
E o mais
estranho é que tudo se passa ao som de patriotadas ridículas, com a
conspurcação dos símbolos e das cores nacionais, sob o signo de um “novo
nacionalismo”, um nacionalismo simiesco, que imita de maneira constrangedora o
nacionalismo de Donald Trump e, em momentos de alucinação, até mesmo de Adolf
Hitler.
E, no entanto,
mesmo na pior das desgraças é sempre possível encontrar motivo para certo
orgulho e satisfação. Afinal, pergunto, que outro país conseguiria a proeza de
inventar o nacionalismo entreguista, sofisticação dialética difícil de igualar?
O Brasil não é para principiantes, dizia Tom Jobim. Lendo recentemente uma
biografia de Dom Pedro II, escrita pelo historiador José Murilo de Carvalho,
descobri espantado que o imperador era republicano. E o Marechal Deodoro da
Fonseca, monarquista. Portanto, tudo é possível no Brasil. Temos agora o
incomparável nacionalista vira-lata, que clama a sua devoção pelo país ao mesmo
tempo em que bate continência para a bandeira dos Estados Unidos e faz juras de
amor ao presidente daquele país.
No resto do
mundo, reina a mais completa perplexidade sobre a decadência do Brasil. Ninguém
acreditaria que sofreríamos tal colapso e desceríamos a níveis tão baixos. Há
não muito tempo o nosso país era referência, não só na América Latina, mas no
mundo inteiro. Não estou exagerando, leitor. Tive o privilégio de representar o
Brasil no FMI, no G20 e nos BRICS numa época em que o nosso país se comportava
como o grande país que é. Tínhamos, claro, nossas limitações, nossas
dificuldades. Mas éramos respeitados como voz autônoma, capaz de expressar com
criatividade e competência os anseios de paz, progresso e reforma da governança
internacional. Todo esse capital de respeito, simpatia e soft power está sendo
jogado pela janela.
Somos
subdesenvolvidos, reconheço. Nossos quadros nem sempre são os melhores, admito.
E, mesmo nos nossos momentos mais felizes, demos as nossas pisadas de bola. Mas,
convenhamos, era preciso escalar esse time de pernas-de-pau?
Vamos imaginar,
por um instante, que por obra do insondável destino Jair Messias Bolsonaro
fosse conduzido, digamos, à presidência da Micronésia. Os micronesianos
contemplariam, perplexos, o seu novo supremo mandatário, fariam uma rápida
reunião e correriam com ele sem demora. E se Paulo Guedes ou Ernesto Araújo
aparecessem de repente em algum ministério da Economia ou das Relações
Exteriores, qualquer um, em qualquer lugar do mundo? Ora, seriam encaminhados
imediatamente, sem hesitações, ao almoxarifado mais próximo.
0 comentários:
[ Deixe-nos seu Comentário ]
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor