(Foto: Divulgação)
Revelação foi feita pelo jornalista Gilberto Nascimento, autor
do livro "O reino", sobre a trajetória do dono da Igreja Universal
15 de março de
2020
Por Gilberto
Nascimento na Agência Pública – A chegada apoteótica da CNN ao Brasil ainda é
cercada de um certo mistério. O vice-presidente do grupo Bandeirantes Paulo
Saad, em entrevista ao UOL, identificou “um projeto político” por trás do novo
canal de notícias 24 horas no país, avalizado por uma rede de credibilidade
internacional. A entrada no ar da emissora está programada para o dia 15 de
março. A CNN estará disponível para assinantes de TV paga e poderá ser acessada
por meio de plataformas digitais. A marca foi licenciada pela americana Turner
para uma nova empresa comandada pelo jornalista Douglas Tavolaro, ex-vice-presidente
de jornalismo da TV Record, e pelo empresário Rubens Menin, dono da construtora
MRV e fundador do banco Inter. Tavolaro terá cerca de 35% das ações* e Menin, o
restante.
Baseando-se em
sua experiência no mercado e nos investimentos feitos pela CNN Brasil até
agora, Paulo Saad, responsável pelos canais por assinatura e novos negócios no
grupo Bandeirantes, disse não ver nessa iniciativa um projeto empresarial, pois
a conta não fecha: “É estranho uma emissora que não fecha suas contas. Ela está
investindo um dinheiro que o mercado não suporta. Eu sei quais são as rendas
deles, e realmente não paga o salário de nenhum dos grandes nomes que
contrataram”, afirmou. Nos cálculos do empresário, a emissora perderá mais de
R$ 300 milhões em dois anos.
Jair
Bolsonaro, por sua vez, comemora a chegada da CNN. Um humorista que o
presidente levou para um espetáculo sem graça em frente ao Palácio do Planalto,
na quarta-feira dia 4 de março, deu boas-vindas à emissora, ao ver o microfone
da CNN instalado no cercadinho dos jornalistas. Bolsonaro elogiou a nova
emissora e sugeriu um boicote à “mídia que mente”, segundo ele, citando, entre
outros veículos, a Folha de S.Paulo e a revista Época. “Pelo que estou sabendo,
vai ser uma rede de televisão diferente aí da Globo”, festejou. Defendeu, em
seguida, que seus ministros passem a dar entrevistas à nova emissora e rejeitem
a TV da família Marinho. Coincidentemente, a CNN Brasil, cuja sede fica na
avenida Paulista, estreará no dia das manifestações convocadas, para a mesma
via, em apoio ao governo Bolsonaro e contra o STF e o Congresso. O presidente
deu apoio a esse protesto por meio de mensagens enviadas em seus grupos de
WhatsApp.
Se a CNN veio
de fato para dar suporte a Bolsonaro, ainda é cedo para avaliar. Mas a
revelação do nome de Douglas Tavolaro como um dos sócios da CNN – até então o
jornalista era um fiel subordinado do bispo Edir Macedo – levantou a suspeita,
já no ano passado, de que o líder da Igreja Universal do Reino de Deus poderia
ser um dos sócios ocultos do novo canal.
A desconfiança
tinha motivos. Ninguém havia ouvido falar sobre divergências ou rompimento de
Tavolaro com o seu chefe e líder Edir Macedo. Tavolaro passara a frequentar os
cultos da Universal nos tempos de estudante do curso de jornalismo. Causara
surpresa, ainda, o fato de ele ter indicado o sucessor na Record: Antonio
Guerreiro, seu ex-professor na Faculdade Cásper Líbero, levado por ele à
emissora. Além disso, o principal acionista da CNN Brasil, Rubens Menin, dono
da MRV e um dos fundadores do banco Inter, era anunciante do portal R7 e da
Folha Universal, veículos de comunicação ligados ao conglomerado Universal, e
foi um dos patrocinadores do filme Nada a perder, a cinebiografia de Edir
Macedo. Tavolaro e Menin se conheceram na época da produção do filme. Outra
informação importante: em 2016, a Record havia tentado, sem sucesso, obter o
licenciamento da marca CNN. Macedo, no mesmo período, vinha mantendo contatos e
buscando informações com outras redes internacionais de notícias.
A versão para
a saída de Tavolaro – comentada nos bastidores da Record – é que ele pediu e
conseguiu autorização de seu antigo guru para se afastar e assumir o novo posto
na CNN, por enxergar nessa oportunidade um “desafio de empreender”. Aos 43 anos
e há 17 na Record, Tavolaro – coautor das biografias de Edir Macedo O bispo
(editora Larousse) e Nada a perder (três volumes, editora Planeta) – desejava
ascender ainda mais profissionalmente. Assim, a saída seria pacífica. Macedo
não criara obstáculos.
Em sua gestão
na Record, no entanto, nem tudo corria às mil maravilhas. O executivo era um
homem de confiança, muito bem avaliado por Macedo. Mas disputava espaços com
dois outros bispos na cúpula da emissora: Marcus Vinicius Vieira, o CEO da
Record, e Marcelo Cardoso, o vice-presidente administrativo. Vinicius e Cardoso
queriam ter ingerência no jornalismo, e Tavolaro resistia. Os dois julgavam ter
mais poder e influência na Igreja Universal – e consequentemente na Record –
por serem bispos e Tavolaro, um leigo. O executivo não cedia e lembrava ter
chegado à cúpula da Record antes dos dois colegas. Por não ser um líder
religioso, ele também não se submetia às mesmas regras de condutas impostas a
bispos e pastores. Seu comportamento era criticado. Fofocas e intrigas
envolvendo o vice-presidente de jornalismo começaram a ser espalhadas entre
membros da igreja, em razão de ele ter se separado e casado pela segunda vez.
Sua nova união foi, inclusive, celebrada – e com muita pompa – pelo próprio
bispo Edir Macedo, em dezembro de 2010, na elegante e sofisticada Casa Charlô,
em São Paulo, numa megafesta com bufê personalizado e bolo de seis andares
decorado para 450 ilustres convidados.
Tavolaro não
tem nenhum parentesco com Edir Macedo, mas era frequentemente apontado por
órgãos de imprensa como um suposto sobrinho do líder máximo da Universal. Não
fazia questão de negar os tais laços familiares, porém, pois essas ilações o
fortaleciam internamente na disputa com os colegas religiosos.
Um dos bispos
com desejo de ter controle no jornalismo era Marcelo Cardoso, ex-presidente da
Record Internacional e irmão de Renato Cardoso, genro de Edir Macedo. Também
bispo e casado com Cristiane, a filha mais velha de Macedo, Renato é hoje o
segundo homem com mais poder na Igreja Universal. Vem sendo preparado há alguns
anos por Edir Macedo para assumir a igreja quando o líder máximo e fundador
vier a se ausentar por causa da idade ou eventuais problemas de saúde. Em 2007,
Macedo havia anunciado como seu sucessor o então bispo Romualdo Panceiro,
ex-responsável pela igreja no Brasil e em Portugal. Mas se arrependeu, e
Panceiro rompeu com o antigo líder. Macedo, então, optou por manter o controle
da Universal nas mãos da família, no futuro, e abriu espaço para a ascensão de
Renato Cardoso.
Marcelo
Cardoso, líder religioso emergente, assumiu o cargo na Record em 2015. Já nessa
época passou a ser citado como um provável novo presidente da emissora. Assim,
formaria com o irmão Renato uma dupla de confiança da família Macedo. Marcelo
foi apontado em uma reportagem do UOL como “fuçador” e “inquieto” e com fama de
“dedo-duro”. Sua missão na Record seria “consertar” a emissora e trazê-la de
volta aos primeiros lugares na audiência. Teria também, como importante tarefa,
investigar processos e medidas adotadas por antecessores, para detectar
possíveis irregularidades e informar Edir Macedo. O bispo Marcus Vinicius
Vieira, outro homem de confiança de Macedo, é filho do ex-deputado federal
Laprovita Vieira, eleito seguidas vezes no Rio de Janeiro com o apoio da
igreja. Laprovita foi também presidente da Universal e um dos intermediários na
compra da TV Record, em 1989. Foi o homem que apareceu com um maço de cigarros
no bolso do paletó, durante as conversas para tentar fechar o negócio, a fim de
tentar esconder dos vendedores que a emissora iria parar nas mãos de uma igreja
evangélica neopentecostal.
Douglas
Tavolaro, após ter acertado com a CNN, não encontrou dificuldades para emplacar
Antonio Guerreiro como o seu sucessor na vice-presidência de jornalismo da
Record. Sua proposta foi bem recebida. Macedo acatou a ideia, mas a submeteu a
uma espécie de “conselho” da emissora. A maioria endossou. Na posse de
Guerreiro, o bispo Marcus Vinicius convocou mais de 50 executivos e chefes do
jornalismo para anunciar que o novo titular era o seu representante no
departamento. Os dois se deram bem. Guerreiro caiu nas graças do bispo
Vinicius.
A trajetória
do dono da CNN Brasil, Rubens Menin, vai do Minha Casa Minha Vida à articulação
de empresários para acabar com a lista suja do trabalho escravo; também passa
por reuniões palacianas e polpudas doações nas últimas eleições
Em entrevista
à Pública, o jornalista Gilberto Nascimento fala sobre seu livro O reino, que
disseca a trajetória da Igreja Universal em busca de poder político
Para Tavolaro,
o tratamento foi outro. Ao se afastar para assumir o cargo na CNN, o jornalista
deu argumentos para seus detratores o criticarem. Marcelo Cardoso e Marcus
Vinicius, entre outros, teriam “envenenado” Macedo com afirmações de que o
ex-comandante do jornalismo abandonava a Record para fortalecer um canal de
notícias concorrente. Não seria, portanto, um aliado de verdade. A imagem de
Tavolaro, a partir daí, seria “desconstruída”. Os comentários e insinuações
sobre sua separação aumentaram.
Outro motivo
para duros ataques foi a decisão de contratar profissionais da Record.
Tavolaro, no início, levou para a CNN apenas uma produtora e dois dos seus
principais auxiliares do jornalismo na emissora do bispo. Depois, tirou André
Ramos da direção de jornalismo da Record no Rio de Janeiro. Três dias depois de
ter anunciado a contratação de Ramos, a CNN levou Reinaldo Gottino, então
apresentador do Balanço geral, um dos programas de maior audiência da emissora
de Edir Macedo. Aí, Tavolaro passou a ser bombardeado por ex-colegas.
Um nome
popular na Record – vinculado principalmente a fofocas e noticiário policial –,
Gottino passará a apresentar agora a versão brasileira do sóbrio e sério
noticioso CNN 360º, comandado por Anderson Cooper no canal americano. Na
emissora da Barra Funda, espalhava-se ainda o boato de que a CNN contrataria a
ex-global Adriana Araújo, apresentadora do Jornal da Record e desde 2006 na
emissora do bispo. Macedo, enfim, teria se convencido de que o ex-aliado Tavolaro
tornara-se um adversário.
A Record,
então, partiu para o ataque. Exibiu três reportagens, entre os dias 20 e 23 de
setembro de 2019, denunciando ações de clientes que teriam sido lesados pela
MRV, a empresa de Rubens Menin, e apontando problemas em prédios erguidos pela
construtora no programa Minha Casa Minha Vida, no Paraná. A MRV foi inserida na
lista suja do trabalho escravo no Brasil, criada pelo Ministério do Trabalho,
após flagrantes na construção do edifício Cosmopolitan, em Curitiba, em 2011.
Onze trabalhadores foram resgatados no local. No ano seguinte, novas
irregularidades foram apontadas nas obras dos condomínios Parque Borghesi, em
Bauru, e no residencial Beach Park, em Americana, ambas cidades do interior
paulista. A empresa foi autuada cinco vezes pela acusação de explorar trabalho
escravo.
Menin, por
meio da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) – de
cujo conselho é presidente –, passou a ser citado como o líder do lobby no
Brasil contra a divulgação dos nomes de empresas envolvidas no uso de mão de
obra análoga à de escravo. O empresário rebatia as acusações. Alegava que a
portaria do cadastro do Ministério do Trabalho não previa uma instância de
defesa contra a inclusão de nomes na lista suja do trabalho escravo. A partir
dessa constatação de envolvimento, as empresas citadas ficariam impedidas de
obter crédito, empréstimos e contratos com bancos públicos, como o BNDES e o
Banco do Brasil. A MRV é uma das principais construtoras do Minha Casa Minha
Vida, do governo federal. Os sócios da CNN Douglas Tavolaro e Rubens Menin não
responderam às perguntas enviadas pela Agência Pública.
Em nota, em
fevereiro passado, a CNN Brasil contestou os comentários de que sua chegada ao
Brasil seria parte de um projeto político. E repudiou o que chamou de
“declarações infelizes” de Paulo Saad. “A CNN vai produzir jornalismo
profissional, isento e de qualidade, que defenderá os interesses da sociedade e
será sustentada unicamente pelo mercado publicitário e de distribuição no Brasil,
e outras unidades de negócio derivadas do uso da marca no País”, afirmou a
emissora. Para a CNN, as críticas de Paulo Saad teriam sido motivadas pelo fato
de o canal ter contratado a principal apresentadora da Band News, Carol
Nogueira, e ainda levado quase a metade da equipe de jornalismo da concorrente.
Em entrevistas
no ano passado, Tavolaro negou a existência de sócios ocultos e contestou os
comentários sobre um possível alinhamento do novo canal com o governo
Bolsonaro. “Não será de direita nem de esquerda”, garantiu. O presidente
Bolsonaro já foi apontado no noticiário de língua inglesa da CNN como um
político de “extrema direita”. Seus pronunciamentos misóginos, racistas e
homofóbicos também foram citados. Logo após o anúncio da chegada da CNN ao
Brasil, em janeiro de 2019, Menin e Tavolaro foram recebidos por Bolsonaro no
Palácio do Planalto. A nova emissora, porém, rejeita enfaticamente as supostas
ligações com o projeto político do presidente da República. Como a Record
anuncia agora uma parceria com a Fox News – a rede americana rival e alinhada a
Donald Trump –, a CNN Brasil espera que a eventual pecha de conservadora se
ajuste mais à TV de Edir Macedo.
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