Deltan Dallagnol e Vladimir Aras não entregaram nomes de pelo
menos 17 americanos que estiveram em Curitiba em 2015 sem conhecimento do
Ministério da Justiça. Reportagem de Natalia Viana, Andrew Fishman, Maryam
Saleh, da Agência Pública e The Intercept Brasil faz revelações sobre a
influência dos Estados Unidos sobre a operação Lava Jato
12 de março de
2020
Deltan Dallagnol
e FBI (Foto: Pedro de Oliveira/ALESP | Reuters)
Pública - No dia
5 de outubro de 2015, Deltan Dallagnol, procurador-chefe da força-tarefa da
Lava Jato, mal dormiu; chegou de uma viagem e foi direto para a sede do
Ministério Público Federal (MPF) no centro de Curitiba, onde trabalhou até
depois da meia-noite. No dia seguinte, acordou às 7 da manhã e correu de volta
para o escritório. Ele já havia avisado a diversos interlocutores que aquela
seria uma semana cheia e não poderia atender a nenhuma demanda extra.
Não era para
menos. Naquela terça-feira, uma delegação de pelo menos 17 americanos apareceu
na capital paranaense para conversar com membros do MPF e advogados de
empresários que estavam sob investigação no Brasil. Entre eles estavam
procuradores americanos ligados ao Departamento de Justiça (DOJ, na sigla em
inglês) e agentes do FBI, o serviço de investigações subordinado a ele. Todas
as tratativas ocorreram na sede do MPF em Curitiba. Em quatro dias intensos de
trabalho, receberam explicações detalhadas sobre delatores como Alberto Youssef
e Nestor Cerveró e mantiveram reuniões com advogados de 16 delatores que haviam
assinado acordos entre o final de 2014 e meados de 2015 em troca de prisão
domiciliar, incluindo doleiros e ex-diretores da Petrobras.
Mas nem tudo
foram flores para a equipe de Deltan Dallagnol. No final do dia 6 de outubro,
às 23h16, ele foi chamado ao Telegram pelo diretor da Secretaria de Cooperação
Internacional (SCI) da Procuradoria-Geral da República (PGR), Vladimir Aras:
“Delta, MSG DO MJ”.
A mensagem era
grave. O Ministério da Justiça acabara de tomar conhecimento da visita dos
americanos pelo Itamaraty – quando eles já estavam em Curitiba.
Segundo um
acordo bilateral, atos de colaboração em matéria judicial entre Brasil e
Estados Unidos – tais como pedir evidências como registros bancários, realizar
buscas e apreensões, entrevistar suspeitos ou réus e pedir extradições –
normalmente são feitos por meio de um pedido formal de colaboração conhecido
como MLAT, que estipula que o Ministério da Justiça deve ser o ponto de contato
com o Departamento de Justiça americano. O procedimento é estabelecido pelo
Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal, tratado bilateral assinado
em 1997.
Naquela época, o
ministério era chefiado pelo ministro José Eduardo Cardozo, sob a presidência
de Dilma Rousseff (PT).
A mediação é
feita pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica
Internacional do Ministério da Justiça, o DRCI, então chefiado pelo delegado da
Polícia Federal (PF) Ricardo Saadi. Era dele a interpelação que dizia que o
governo não fora informado da visita dos procuradores e agentes americanos. No
final, o encontro ocorreu à revelia do Executivo, em tratativas diretas entre
os americanos e os procuradores de Curitiba.
O email enviado
por Saadi dizia o seguinte: “Fomos informados hoje pelo Ministério de Relações
Exteriores (MRE) sobre possível vinda de autoridades americanas para o Brasil
para conversar com autoridades brasileiras e/ou realizar investigações no âmbito
da Operação Lava Jato. Considerando que, até a presente data, este DRCI não
tinha qualquer conhecimento dessa possibilidade, pergunto: 1. O MPF tem
conhecimento sobre eventual vinda de autoridades norte-americanas para o Brasil
para conversar com autoridades brasileiras e/ou para praticar atos de
investigação ? 2. Em caso positivo, qual o período que ficariam em solo
nacional ? 3. Foi feito algum contato oficial nesse sentido ? 4. Quais seriam
as atividades desenvolvidas pelos norte-americanos em solo nacional ? 5. O MPF
teria nome/função das autoridades americanas que viriam ? 6. Outras informações
que entender relevantes”.
O recado foi
compartilhado no chat “FTS-MPF”, onde membros da Lava Jato coordenavam ações
com outros procuradores.
Especialistas ouvidos
pela Agência Pública e The Intercept Brasil afirmam que quaisquer diligências –
atos de investigação que vão gerar um processo e provas criminais – em solo
nacional teriam que ser oficializadas por meio de um MLAT. Procurado pela
reportagem, procurador Vladimir Aras respondeu, por nota, que “as reuniões
prévias e o intercâmbio de informações no curso da investigação compreendem a
etapa chamada ‘pré-MLAT’. O MP e a Polícia não estão obrigados a revelar ou a
reportar esses contatos a qualquer autoridade do Poder Executivo”.
Mas os diálogos
demonstram que, como a cooperação internacional não é regulamentada por lei
nacional que estabeleça procedimentos padrões, os membros da Lava Jato
exploraram zonas cinzentas que permitiram aos americanos avançar suas
investigações, escondendo esse fato do governo federal – em especial, durante a
época em que Dilma Rousseff ainda era presidente. Os contatos geraram
questionamentos dentro da PGR e são ainda mais sensíveis por terem como alvo a
empresa de economia mista Petrobras.
Em um chat de 13
de fevereiro de 2015, Deltan Dallagnol demonstra desconfiança em relação ao
DRCI – e ao governo Dilma.
Questionado por
Vladimir Aras sobre se estaria “tudo tranquilo” com o delegado federal Isalino
Antonio Giacomet Junior, que era assessor do DRCI, Dallagnol responde:
“Tranquilo, obrigado, embora eu não goste da ideia do executivo olhando nossos
pedidos e sabendo o que há. Ainda bem que é o Saadi e não o Tuminha lá”, diz,
referindo-se ao ex-delegado Romeu Tuma Júnior.
Em setembro de
2019, a força-tarefa da Lava Jato afirmou ao site The Intercept Brasil e ao UOL
que “diversas autoridades estrangeiras de variados países vieram ao Brasil para
a realização de diligências investigatórias, algumas ostensivas, outras
sigilosas, conforme interesse dessas autoridades. Sendo um caso ou outro, todas
as missões de autoridades estrangeiras no País são precedidas de pedido formal
de cooperação e de sua autorização”. A primeira visita americana a Curitiba,
porém, ocorreu sem nem mesmo o conhecimento do MJ. Durante quatro dias, os
americanos foram apresentados a advogados de delatores e já começaram
negociações de colaboração com a Justiça dos EUA. Depois, a força-tarefa
orientou os americanos a convencer os colaboradores a ir aos EUA para depor, a
fim de não ficarem sujeitos às limitações da lei brasileira. Se isso não fosse
possível, eles ofereceriam sugestões sobre interpretações “mais flexíveis” das
decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). E a força-tarefa ainda se
comprometeu a “pressionar” os investigados a colaborar com os EUA. Além disso,
a agenda da visita não foi divulgada para a imprensa brasileira a pedido dos
americanos, segundos revelam os diálogos.
Procurada pela
Pública, a força-tarefa Lava Jato afirmou, por nota, que “a necessidade de
formalização da diligência ocorre quando ela tem cunho probatório (“diligências
investigatórias”), destinando-se, por exemplo, a colher depoimentos formais que
são enviados via canais oficiais. A informação não engloba, certamente,
contatos e conversas entre autoridades, que podem se dar informalmente, por
telefone ou pessoalmente”. Afirmou também que “Eventuais reuniões com
autoridades alienígenas – e foram dezenas, algumas presenciais e outas virtuais
com diversos países -, não necessitam de qualquer formalização via DRCI, mas
apenas autorização interna dos respectivos órgãos interessados”. O
posicionamento completo da força-tarefa está reproduzido no final desta reportagem,
a pedido da assessoria de imprensa.
Leia a matéria
completa no Brasil 247
1 comentários:
Eu me pergunto: como pode a autoridade maior de uma Nação, de regime presidencialista, onde o/a presidente NÃO SABER que um procurador federal de uma unidade federativa do país se reunia com agentes do FBI (polícia federal americana), justamente numa operação como a Lava Jato. Entendo: é por isso que o presidente do Brasil Jair Bolsonaro vive batendo continência para o presidente americano Trump.
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