
"A
chegada da pandemia pilha o país sem comando político, com o Estado
enfraquecido, junto a todos os serviços de saúde a começar pelo SUS, com o
governo desmoralizado frente à população – nas piores condições para enfrentar
um desafio como o colocado pela pandemia", escreve o cientista político
Emir Sader
18 de abril de
2020
Colunista do
247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos
brasileiros
X-X-X
A luta contra
a pandemia, como toda grande luta, é uma luta política. Não no sentido de
disputa político-partidária ou eleitoral ou de disputa menor entre supostas
lideranças políticas.
É uma luta
política no sentido de que, antes de tudo, só mobilizando todas as forças do
país, conseguirá ser enfrentada com sucesso. Política, porque para isso precisa
de um comando forte, claro, respeitado pelo país. Política, no sentido de
definir sua prioridade máxima em relação a todas as outras atividades
nacionais, que precisa dos recursos, da atenção, do pessoal, das condições de
ação, da mobilização da vontade nacional para enfrentar e triunfar nessa luta.
Antes da
pandemia, o governo Bolsonaro já havia fracassado. O balanço do primeiro ano no
plano econômico – prioritário para o governo – tinha sido desastroso. Apesar da
criação das melhores condições para os empresários investirem, com
desregulamentações, com polpudos recursos econômicos, com violação brutal dos
direitos dos trabalhadores, com prioridade escandalosa a favor do capital
especulativo, contra o produtivo e os trabalhadores, o balanço do primeiro ano
foi catastrófico. Crescimento zero, desemprego de 12 milhões de pessoas, 38
milhões na precariedade, fome, miséria,
gente abandonada nas ruas em aumento exponencial. Ninguém previa nada
melhor para o segundo ano.
O estilo de
ação totalmente inadequada para o cargo, a incapacidade de unir sequer os que o
haviam apoiado e eleito, a falta de capacidade de manter uma maioria no
Congresso, os ataques ao Judiciário, ao Parlamento, aos meios de comunicação, à
oposição, a países fundamentais para o país, como a China, a péssima relação
com os países vizinhos, a adesão subalterna vergonhosa aos Estados Unidos –
tudo havia levado à condenação ao presidente por sua incapacidade de governar o
país.
A chegada da
pandemia pilha o país sem comando político, com o Estado enfraquecido, junto a
todos os serviços de saúde a começar pelo SUS,
com o governo desmoralizado frente à população – nas piores condições
para enfrentar um desafio como o colocado pela pandemia. Uma batalha por si só
difícil, que necessita de tudo o que o Brasil tem de melhor para ser enfrentada
em condições de superá-la.
As debilidades
de Bolsonaro e do seu governo ameaçam ser fatais para o desenlace desta
batalha. Os serviços médicos brasileiros se comportam de maneira heroica, exemplar,
sacrificando-se em condições difíceis e
temerárias de trabalho. O SUS volta a se impor como o maior instrumento
de luta contra as ameaças que os brasileiros sofrem.
Mas o Brasil
está perdendo a luta contra a pandemia, por falta de comando político. Ao invés
de priorizar essa luta por sobre qualquer outra coisa, Bolsonaro se concentra
em enfraquecer a vontade nacional de resistência contra a pandemia, com
comportamentos irresponsáveis, com chamados contra o isolamento social, com
desvio da ação para disputas menores, que ao invés de fortalecer o comando na
saúde pública, o enfraquece, no meio da batalha, demonstrando que mesmo como
militar que ele diz se orgulhar de ser, é um militar vagabundo, que não se
impõe sobre suas próprias tropas, que divide em lugar de unir, que desmoraliza
ao invés de fortalecer moralmente os brasileiros, que desvia a atenção da
máxima prioridade para temas menores, que lhe interessam como político de
quinta categoria, que não sabe o que é governar, comandar, presidir o Brasil.
Ela não está à
altura da dimensão do debate que o Brasil enfrenta e, por isso só, já mereceria
ser afastado da presidência do país. Porque ele sabota ao invés de fortalecer a
luta contra a pandemia. Porque cinicamente, ele, que produziu e manteve o
desemprego e a precariedade – temas que nunca foram sequer mencionados por ele
antes da situação atual -, tenta apelar para esse problema, que ele nunca
enfrentou, para concitar as pessoas a sair às ruas para buscar o sustento de
que dependem para sobreviver. A irrisória ajuda, que chega aos necessitados
tarde, mal e nunca, é o grande incentivo para que as pessoas não obedeçam ao
isolamento social e prefiram correr riscos de saúde a passar, junto a suas
famílias, pela fome cotidiana. Quanto pior atende as populações necessitadas,
mais o governo sabota o isolamento e ainda quer se valer dele para ganhos
politiqueiros imediatos.
O Brasil está
enfrentando uma luta que definirá os destinos do país por toda a primeira
metade do século, por falta de comando. O povo sofre muito mais do que o
necessário, por falta de comando. As mortes se multiplicam mais do que o
inevitável, por falta de comando. O mês de maio se anuncia como catastrófico
para o país, sem que se veja um plano extraordinário de recursos para enfrentar
o caos que já se anuncia, por falta de comando.
Seria uma
derrota que condenará o país a retrocessos difíceis de ser superados no futuro,
pela incapacidade, pela irresponsabilidade, pela falta de caráter de quem está
na presidência da República e demonstra, a todas luzes, incompetência para
conduzir o país numa hora decisiva como esta. Não adianta depois fazer passar à
história como o grande responsável por esta derrota e pelas duras consequências
que o Brasil e seu povo já pagam e pagarão ainda mais no futuro. Os panelaços
são um grito até desesperado de Fora Bolsonaro! As forças políticas têm que
encontrar a forma de realizar esse anseio nacional e organizar um comando
político à altura dos decisivos embates atuais. Ainda é tempo de revertermos
essa luta, que estamos, a todas luzes perdendo. Não nos perdoaremos se
deixarmos passar o tempo, com o tempo de mais vidas humanas perdidas, mais
sofrimentos para os brasileiros, mais desmoralização, depressão e desalento
para todos.
O Brasil ainda
pode reverter essa batalha da qual dependem o nosso presente e o nosso futuro.
Com a falta de comando atual, estamos condenados à derrota. E sabemos que não a
merecemos, que temos recursos para reverter essa luta e triunfar sobre ela.
0 comentários:
[ Deixe-nos seu Comentário ]
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor