
(Foto: Isac Nobrega - PR)
Clima insalubre prevalece nas mais altas esferas do Estado, com
o presidente de extrema direita tendo perdido o apoio de quase todos os
governadores do país
5 de abril de
2020
Por Bruno
Meyerfeld, no Le Monde. Tradução: Sylvie Giraud - De repente, Jair Bolsonaro
tentou assumir o papel de um chefe de Estado. “Estamos enfrentando o maior
desafio de nossa geração. Minha preocupação sempre foi salvar vidas”, disse ele
ao país, solene, na terça-feira, 31 de março, em rede nacional ao país.
Discurso consensual, em tom surpreendentemente calmo e ponderado: o líder de
extrema direita parecia enfim abordar a crise do coronavírus em sua real
dimensão. “Reafirmo a importância da colaboração e a necessária união de todos,
em um grande pacto pela preservação da vida”, acrescentou, querendo mostrar-se
unificador como nunca antes havia sido.
O discurso
pegou a classe política de surpresa. “Em qual presidente da República devemos
acreditar?” Perguntou o governador de São Paulo, João Doria. De fato, há três
semanas que Jair Bolsonaro vem se esforçando em minimizar a gravidade da
epidemia (que matou 241 pessoas no Brasil), qualificando-a como uma
“gripesinha”. Ele, em todo caso, não correria risco algum (“com meu passado de
atleta, se estivesse contaminado, não precisaria me preocupar”), e o brasileiro
ainda menos: “nunca pega nada, pula em um esgoto, nada, sai...e nada acontece
com ele”, afirmou o presidente.
“Alguns vão
morrer? Sim, claro. Sinto muito, mas isso é a vida. Você não pode parar uma
fábrica de automóveis porque há mortes nas estradas todos os anos”, disse ele,
opondo-se ao confinamento ou fechamento de atividades econômicas não
essenciais, que foram decretadas por vários Estados. No domingo 29 de março, o
presidente, em desprezo total das regras sanitárias, até se deu ao luxo de sair
do palácio da Alvorada para “falar com o povo” e visitar vários comércios que
permaneceram abertos em Brasília. Publicados nas redes sociais, os controversos
vídeos da visita foram rapidamente excluídos pelo Twitter, Facebook e
Instagram.
“Ele está
sozinho, perdido em seu labirinto”
Então, em quem
devemos acreditar? No Doutor Jair ou no Mister Bolsonaro? Na sexta-feira, o
líder de extrema direita finalmente voltou ao seu estilo natural chamando a
imprensa de “abutre”, argumentando que o Brasil “não suporta ficar dois ou três
meses parado” e comparando o vírus a uma simples “chuva”, que simplesmente
“molhará 70% [da população].”
Retomando seu
discurso populista, muitas vezes insano, Jair Bolsonaro consegue remobilizar
sua base eleitoral, afeita às teorias conspiratórias. Mas suas reviravoltas são
antes de tudo um sinal do clima deletério que prevalece nas altas esferas do
Estado. Assim, a pandemia veio furar um abscesso purulento, que se infectava
mês a mês desde que chegou ao poder. “O que está acontecendo hoje é mais do que
um novo episódio: é uma crise institucional”, disse Fernando Limongi, cientista
político da Universidade de São Paulo (USP).
“É fato, todas
as autoridades constituídas estão em conflito com o presidente. Ele está
sozinho, perdido em seu labirinto”, acrescenta o pesquisador. Bolsonaro que já
estava em guerra aberta contra seu parlamento, conseguiu agora alienar de si 24
dos 27 governadores estaduais, que assinaram uma ácida carta de protesto. Por
seu lado, o sistema judiciário proibiu o governo de transmitir um vídeo de
propaganda (“O Brasil não pode parar”) denunciando as medidas de confinamento e
vários juízes indicaram que se oporão a qualquer medida de reabertura do
comércio que venha se contrapor à diretiva das autoridades locais.
Contestado
todas as noites por panelaços nas principais cidades, o presidente também é
censurado pelos principais grupos que o levaram ao poder: a famosa aliança dos
“BBBs”: proprietários de terras (“bois”), evangélicos (“Bíblia”) e militares
(“balas”). “Tudo é recuperável, mas só para os vivos”, trovejou o deputado
Alceu Moreira, líder do lobby do agronegócio no Parlamento, apoiado pela
ministra da Família, Damares Alves. Pastora pentecostal ultraconservadora, ela
fez um apelo para que sejam respeitadas as medidas de distanciamento social. O
combate ao vírus é “a missão mais importante da nossa geração”, disse, por sua
vez, o general Edson Leal Pujol, comandante do Exército brasileiro.
“De armas na
mão”
Pior:
Bolsonaro é desafiado dentro de seu próprio governo. Nenhum peso pesado, nem o
Vice-presidente Hamilton Mourão, nem o popular Ministro da Justiça Sergio Moro,
nem o da economia Paulo Guedes, vieram a público para defendê-lo. Luiz Henrique
Mandetta, médico formado e Ministro da Saúde, defende as recomendações da OMS.
“Estamos prontos para o pior cenário, com caminhões do exército carregando
corpos pelas ruas ao vivo na Internet?”, teria ele lançado sem piscar ao o
presidente, no sábado 28 de março, durante uma reunião de crise muito tensa,
segundo o jornal Estadão. Em sua gestão da crise, Jair Bolsonaro parece ser
apoiado, apenas por seus três filhos, discípulos de Olavo de Carvalho -
astrólogo delirante e guru da extrema direita que não acredita na própria
existência do coronavírus.
Ignorando o
discurso presidencial, os ministros estão se mobilizando. Plano de apoio à
economia, compra de 5 milhões de testes e 200 milhões de máscaras cirúrgicas,
construção de um centro hospitalar no Rio, mobilização de 18.000 militares ...
“Os adultos estão no trabalho e Bolsonaro, desesperado, se isola, afirma o
economista Joel Pinheiro da Fonseca, autor de uma coluna no jornal Folha de São
Paulo. Se ele cai ou permanece, não importa. Já não é nada mais do que uma
grotesca peça decorativa.”
Mas Bolsonaro
teria realmente dito sua última palavra? Um impeachment em meio a uma pandemia
parece pouco provável uma vez que o Parlamento já está tendo dificuldades de se
reunir em quórum para aprovar leis de emergência. Uma coisa é certa: No árido
planalto de Brasília, a direção do vento mudou. “Durante a crise, Bolsonaro
será ignorado”, disse Fernando Limongi. “Mas cada qual já está de armas na mão.
A crise constitucional está pronta e não há como prever suas consequências.”
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