
"O presidente da República está procurando diminuir e se
possível eliminar o sistema de freios e contrapesos próprios da nossa
organização política", escreve o professor de Ciência Política da USP
André Singer
31 de maio de
2020
Professor titular
do departamento de Ciência Política da USP...
A decisão do
ministro do STF Alexandre de Moraes de pedir busca e apreensão em endereços de
dezessete envolvidos na investigação sobre fake news, resultando em vinte e
nove ações de busca e apreensão representa uma aceleração importante na
conjuntura político-institucional. Os mandados, emitidos no dia 27 de maio, vêm
na esteira de uma sequência de acontecimentos graves.
O primeiro
fato preocupante é o conteúdo da reunião ministerial do dia 22 de abril,
divulgado por ordem do ministro Celso de Mello exatamente um mês depois, no dia
22 de maio. O vídeo tornou pública uma série de fatos inquietantes que indicam
uma marcha autoritária. Entre outras, há uma fala do Presidente da República na
qual ele se diz favorável a armar a população para resistir à orientação de isolamento
social que governadores e prefeitos estão implantando por conta da disseminação
do coronavírus, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde.
Na sequência,
na terça-feira, 26 de maio, a Polícia Federal fez no Rio de Janeiro uma operação
de busca e apreensão no Palácio Guanabara, residência oficial do governador
Wilson Witzel. Independente do fato de que possa ou não ter havido desvios, o
fato é que muitos analistas interpretaram esta ação como o primeiro resultado
da mudança feita recentemente na Polícia Federal, particularmente a do Rio de
Janeiro, pelo Presidente da República.
Sinaliza-se
assim a utilização da Polícia Federal contra um adversário político, pois o
governador Witzel se tornou recentemente um opositor do Presidente da
República.
Por fim, temos
a decisão do ministro Alexandre de Moraes de investigar por meio de busca e
apreensão uma série de personagens, empresários, blogueiros, etc. ligados ao
Presidente da República. Fato este que constitui um ponto a mais nessa escalada
de tensão que está envolvendo os poderes constitucionalmente estabelecidos no
Brasil.
O substrato
dos conflitos
Trata-se, na
verdade, de um processo que decorre da tentativa do Presidente da República de
alargar o seu próprio poder, procurando dissolver o balanço próprio da
democracia entre poder e contrapoder. Ele está procurando diminuir e se
possível eliminar o sistema de freios e contrapesos próprios da nossa
organização política encarnados na independência do poder judiciário e do poder
legislativo.
Jair Bolsonaro
se insurge contra as limitações impostas ao poder executivo pelo judiciário e
pelo legislativo. Trata-se, no entanto, de um movimento que é recíproco porque
o executivo também deve limitar o poder do legislativo e do judiciário. Este
sistema foi inventado pelos norte-americanos no século XVIII (e o mundo inteiro
acabou adotando-o) visando a marcha para a ditadura. Ele constitui, portanto,
uma forma de garantir a democracia. O que estamos assistindo, assim, é a
tentativa dos dois poderes, o judiciário e, até certo ponto, o legislativo, de
resistir a uma série de ações que se encaminham no sentido de um alargamento do
poder executivo.
(Artigo
estabelecido a partir de entrevista concedida a Gustavo Xavier na rádio USP.)
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