
"Ao suspender absurda expulsão de 34 diplomatas
venezuelanos, Luís Roberto Barroso confirma que mais alta corte tenta
afastar-se dos atos mais irresponsáveis do governo Bolsonaro", escreve
Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia
3 de maio de
2020
...
Paulo Moreira
Leite é colunista do 247, ocupou postos executivos na VEJA e na Época, foi
correspondente na França e nos EUA
X-X-X
A decisão de
Luís Roberto Barroso, que suspendeu a expulsão de 34 venezuelanos anunciada
pelo Itamaraty, contém um novo sinal de que a mais alta corte de Justiça começa
a tomar distância dos atos mais irresponsáveis do governo Bolsonaro.
Essa postura
ficou clara no veto à nomeação de Alexandre Ramagem para direção da Polícia
Federal. Esta decisão levou a colunista Helena Chagas, do Jornalistas pela
Democracia, a registrar que havia chegado a "hora da onça beber
água", sinalizando que o STF começa a reagir a sucessivos ataques do bolsonarismo.
No caso da
absurda expulsão dos diplomatas venezuelanos, a reação negativa partiu da
própria Procuradoria Geral da República, onde o PGR Augusto Aras -- escolhido
por Bolsonaro para o cargo, fora da lista tríplice da categoria -- recomendou
ao Itamaraty que suspendesse a medida.
Numa
argumentação difícil de contestar, Aras registrou que, em tempos de pandemia, o
retorno dos diplomatas à Caracas poderia trazer complicações no quadro de saúde
pública no país vizinho.
Enquanto o
covid-19 produziu um quadro de tragédia anunciada no Brasil, os dados sobre a
Venezuela mostram uma situação difícil
mas controlada. O país possui a maior proporção de testes da América do
Sul, de 12 000 por cada milhão de habitantes. No momento da decisão do STF, o
país possuía 331 casos confirmados, 142
pacientes recuperados e dez mortes. No cotidiano, toda Venezuela encontra-se sob quarentena e, em dois
estados, vigora o toque de recolher.
Na decisão,
Aras alertou para "os riscos de contágio em razão da epidemia da covid-19,
inerentes e ampliados por deslocamentos que impliquem permanência em locais
fechados por longo período de tempo".
Barroso deu um
prazo de dez dias para Jair Bolsonaro e o chanceler Eugenio Araújo fornecerem
novas informações e justificativas para a expulsão.
Para além da
argumentação técnica, a decisão envolve um quadro político conhecido, onde o
governo brasileiro reconhece o
auto-proclamado Juan Guaidó como legítimo presidente do país vizinho e costuma
sustentar toda manifestação de hostilidade de Washington contra Nicolas Maduro.
Mesmo assim, a
expulsão de diplomatas é um fato incomum entre países que não se encontram em
situação de guerra, o que tem levantado questionamentos importantes sobre a
decisão do governo brasileiro.
Desde a posse
de Bolsonaro o Itamaraty passou a atuar como vanguarda da diplomacia de
submissão a Washington instalada em Brasília, comportamento que contrasta com a
melhor tradição de uma política externa marcada pela independência -- sempre
relativa -- entre potências.
Se, nos dias
de hoje, é impossível imaginar qualquer medida do Itamaraty sem a concordância
explícita do Departamento de Estado, há uma novidade no Hemisfério Norte.
O próprio
Donald Trump parece ter dificuldades de definir um projeto claro para
atravessar um ano de eleição e tragédia da covid-19, pandemia que diminuiu seu
favoritismo e, por tabela, ajuda a
desestabilizar o parceiro brasileiro.
Alguma dúvida?
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