
(Foto: Fotos: Reuters)
Reportagem da Agência Pública e do Intercept Brasil mostra como
o FBI tinha conhecimento detalhado da operação da Lava Jato que destruiu a
maior empresa de engenharia brasileira, a Odebrecht. Os áudios obtidos mostram
como Deltan Dallagnol escondeu da PGR a ação conjunta da força tarefa
brasileira com o FBI, numa ação clandestina e ilegal
1 de julho de
2020
Natalia Viana,
Rafael Neves, Agência Pública/The Intercept Brasil - Nos seus pouco mais de 20
anos no FBI, a agente especial Leslie R. Backschies esteve diversas vezes no
Brasil. Backschies, cujo nome do meio é Rodrigues, com a grafia portuguesa, é
fluente na língua nacional e vem ao país desde pelo menos 2012, ano em que há
um primeiro registro de uma visita sua à Polícia Militar de São Paulo. É,
também, a única foto que se encontra na internet dessa notável agente do FBI –
embora esteja longe da câmera e de óculos escuros. O objetivo daquela visita
era firmar parcerias para capacitação de policiais para responder a ameaças
terroristas antes da Copa de 2014.

helicoptero lava jato
Ao longo de
sua carreira, Leslie trabalhou na divisão de Segurança Nacional do FBI, atuando
nas áreas de contraterrorismo e resposta a armas de destruição em massa – ela
foi co-autora de um guia sobre armas biológicas para o site Jane’s Defense.
Trabalhando
para a Divisão de Operações internacionais do FBI, em 2012 Leslie mudou-se para
a América do Sul, passando a viver em local não revelado, de onde
supervisionava os escritórios do FBI nas capitais do México, Colômbia,
Venezuela, El Salvador e Chile, além dos agentes do FBI lotados na embaixada em
Brasília. No mesmo posto, comandou operações da polícia federal americana em
Barbados, República Dominicana, Argentina, Panamá e no Canadá.
Mas nos
últimos anos, a carreira de Leslie deu uma guinada. De especialista em
armamentos e terrorismo, ela passou a se dedicar a investigar casos de
corrupção e lavagem de dinheiro na América Latina – com destaque para o Brasil.
Em 2014,
Leslie foi designada pelo FBI para ajudar nas investigações da Lava Jato. A
informação consta de reportagem do site Conjur sobre evento promovido pelo
escritório de advocacia CKR Law em São Paulo, em fevereiro de 2018, que contou
com presença dela. A atuação de Leslie foi considerada “um trabalho tremendo” e
“crítico para o FBI” pelos seus supervisores, segundo seu ex-chefe afirmou em
um evento sobre o combate à corrupção em Nova York no ano passado acompanhado
por uma colaboradora da Pública.
Leslie se
tornou especialista na legislação FCPA, Foreign Corrupt Practices Act, uma lei
americana que permite que o Departamento de Justiça (DOJ) investigue e puna nos
Estados Unidos atos de corrupção praticados por empresas estrangeiras mesmo que
não tenham acontecido em solo americano. Foi com base nessa lei que o governo
americano investigou e puniu com multas bilionárias empresas brasileiras alvos
da Lava Jato, dentre elas a Petrobras e a Odebrecht, que se comprometeram a
desembolsar mais de US$ 4 bilhões em multas para os EUA, Brasil e Suíça.
Hoje morando
de novo nos Estados Unidos, Leslie comanda a Unidade de Corrupção Internacional
do FBI, cuja grande novidade no ano passado foi um escritório aberto em março
em Miami apenas para investigar casos de corrupção na América do Sul, o Miami
International Corruption Squad.
A unidade
conta com seis agentes especiais, um supervisor e um contador forense que atuam
na cidade conhecida por receber exilados cubanos, venezuelanos e, mais
recentemente, uma enxurrada de ricos brasileiros. “Você não pode apenas ter um
agente ou dois em um escritório em campo trabalhando com isso…. Não dá para
trabalhar com isso apenas duas ou três horas por semana. Assim não vai
funcionar. Você precisa de recursos dedicados em período integral”, afirmou
Leslie à à Agência de Notícias Associated Press.
O esquadrão
para América do Sul é o quarto esquadrão do FBI especializado em corrupção
internacional. Todos foram abertos nos últimos cinco anos – ao mesmo tempo que
a maior investigação de corrupção da história brasileira varria o continente.
A reportagem
pediu uma entrevista a Leslie Backschies, mas não obteve resposta até a
publicação.
Cinco anos
depois, Leslie parece bastante satisfeita com os resultados. “Nós vimos muita
atividade na América do Sul — Odebrecht, Petrobras. A América do Sul é um lugar
onde… Nós vimos corrupção. Temos tido muito trabalho ali”, disse ela à Agência
de Notícias Associated Press no começo de 2019.
“Não dá pra
ser melhor do que isso”, ela afirmou no evento da CKR Law em São Paulo. “Nossa
relação com o Brasil é o modelo de colaboração para países lutando contra
crimes financeiros”.
“Isso é apenas
o começo. Temos o enquadramento correto, a vontade e os fundos para continuar
trabalhando juntos”.
Em outubro de
2015, Leslie fez parte da comitiva de 18 agentes americanos que foram a
Curitiba se reunir com procuradores e advogados de delatores sem passar pelo
Ministério da Justiça, órgão que deveria, segundo a lei, intermediar todas as
matérias de assistência jurídica com os EUA, segundo revelaram Agência Pública
e The Intercept Brasil.
A proximidade
com a equipe da Lava Jato era tanta que Leslie foi um dos agentes do FBI que
posaram com um cartaz apoiando o projeto de lei das 10 Medidas Contra a
Corrupção, bandeira da Força-Tarefa e em especial do seu chefe, Deltan
Dallagnol, que foi derrotada no Congresso Nacional.
Em um chat com
Deltan em 18 de maio de 2016 constante do arquivo entregue ao site The
Intercept Brasil, a procuradora Thaméa Danelon, ex-coordenadora da Força-Tarefa
em São Paulo, brincou antes uma viagem para os EUA: “Vou tentar tirar uma foto
c a Jennifer Lopes e o cartaz das 10 Medidas”, brinca ela. “Os agentes do FBI
já apoiaram. Mas não pode publicar a foto ok? Eles não deixaram”, explica
Thaméa, enviando a foto a seguir.
A imagem foi
posteriormente apagada e não consta do arquivo entregue ao Intercept. Se
divulgada, ela poderia causar uma saia justa ao MPF por se tratar de
autoridades estrangeiras atuando em uma campanha legislativa nacional.
Thaméa diz que
na foto todos são agentes, com exceção de uma tradutora brasileira. Mostrando
familiaridade com a agente americana, Deltan Dallagnol se entusiasma e diz que
a imagem lembra o filme Missão Impossível, estrelado por Tom Cruise. “Legal a
foto! A Leslie está em todas rs”.
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