19/09/2020
A consciência de um povo, como as matas de um país, estão sujeitas a
incêndios, naturais ou provocados.
O tempo seco da crise iniciada em 2015, claro, criou-lhes as condições
adequadas às chamas, mas elas não aconteceriam sem as ateassem gente instalada
em lugares propícios e sem precaução contra a propagação além dos limites
daquilo que queriam queimar.
Sim, porque pretendiam, a fogo, dar fim a esta praga da democracia, que
tantos anos fazia que não conseguiam extirpar, mesmo com a mídia pulverizando
ardentes acusações sobre ela.
O resultado é que perderam o controle do processo e as ditas
instituições – que, pensaram, funcionariam como aceiros de uma queima
controlada – não detiveram e até espalharam o incêndio, generalizando a
destruição.
Tudo ardeu: a educação, a saúde, a moeda nacional, a economia mas,
sobretudo, a compreensão de que não somos um paiseco, medíocre e estagnado,
servil e sem remédio.
Como nos restos fumegantes do Pantanal, restou por toda a parte um chão
calcinado, onde vagueiam políticos atrofiados, disformes, famintos e vorazes,
que fazem ou se dispõem a fazer a predação dos cofres públicos, das riquezas da
terra e os direitos da população.
Um terço dos viventes deste país viraram zumbis, adoradores fanáticos de
um besta-fera que exala labaredas, que fedem a morte e a destruição.
De nada adianta dizer ou mostrar que estamos a caminho de virarmos um
deserto, não só de matas e cerrados, mas de ideias e amores.
Aceita-se e aplaude-se, que “em nome de Deus” estejamos no que chamam de
“caminho certo”, ainda que este seja aquele em que sobem os números do
desemprego, da fome, do ódio grassando nas ruas, do fogo devorando o país.
Parece que a devastação chegou aos corações e mentes de parte
significativa do povo brasileiro e que nossa dignidade carbonizou-se, que nossa
capacidade de pensar consumiu-se, que nossos sentimentos de humanidade e
solidariedade viraram cinzas frias.
Nosso calor, agora, não é o humano, mas o desumano.
A fumaça que encobre nossos horizontes há de passar, ainda que com muito
sofrimento, para que possamos voltar a enxergar o sol. Mas como a flora e a
fauna calcinadas, levaremos tempo, muito tempo, até nos recuperarmos da
queimada que engoliu um Brasil que, não faz muito, vicejava e crescia.
Tal qual nos versos do Chico Buarque, chegará a hora em que
rebrotaremos, “como se o céu vendo as penas/ Morresse de pena/E chovesse o
perdão”.
Até lá, nossa bandeira não será vermelha, mas a terra, as matas e os
horizontes seguirão rubros, como nossos rostos ficam, de vergonha com o que
deixamos fazerem ao Brasil.
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