(Foto:
ABr)
"A falta de resposta crítica a declaração tão injuriosa aos
verdadeiros heróis nacionais por parte da cúpula militar me faz conjecturar que
os atuais comandantes concordam com os elogios, o que também os inclui dentre
os herdeiros da linha-dura da ditadura", escreve Alex Solnik
11 de outubro de
2020
Alex Solnik é jornalista. Já atuou em publicações como Jornal da Tarde, Istoé, Senhor, Careta, Interview e Manchete. É autor de treze livros, dentre os quais "Porque não deu certo", "O Cofre do Adhemar", "A guerra do apagão" e "O domador de sonhos"...
No dia 9 de
outubro de 2008, sentença do juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23a Vara Civel de
São Paulo condenou, pela primeira vez desde o fim da ditadura, um oficial do
Exército Brasileiro por sequestro e tortura durante o regime militar de 1964.
O oficial era o
coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do clandestino DOI-Codi entre
23/9/1970 e 23/1/1974.
“O DOI-Codi era
uma casa de horrores, razão pela qual o réu não poderia ignorar o que ali se
passava” escreveu o juiz. “Não é crível que os presos ouvissem os gritos e não
o réu”.
No entanto,
Ustra não foi para a cadeia.
A decisão do
juiz apenas reconheceu haver relação jurídica entre ele e seus acusadores –
Maria Amélia de Almeida Teles e César Teles – “relação que nasceu da prática de
tortura”, o que mostra que mesmo 23 anos depois do fim da ditadura era difícil
punir os crimes hediondos praticados pelo estado brasileiro.
Até hoje é.
Maria Amélia e
César foram torturados por Ustra na frente de seus filhos nas dependências do
DOI-Codi, que funcionava dentro das instalações do II Exército, em São Paulo.
Ustra morreria
sete anos depois, a 15 de outubro de 2015.
Eis porque seus
admiradores se alvoroçam. Está chegando a data de sua morte, que deverão
celebrar. É um escárnio que dentre eles estejam o presidente e o
vice-presidente da República.
Mourão, o vice,
exaltou Ustra há dois dias, em entrevista à Deutsche Welle:
“Foi meu oficial
comandante durante o final dos anos 70 e ele foi um homem de honra que
respeitava os direitos humanos de seus subordinados. Então, muitas das coisas
que as pessoas falam dele não são verdade”.
Mourão dá um
jeito de mostrar que só conheceu Ustra “no final dos anos 70” quando ele já
estava fora do DOI-Codi, mas revela ter sido subordinado a um dos principais
representantes da linha dura do Exército, que se opôs à abertura política
comandada pelo general Ernesto Geisel.
Confirma,
portanto, ser herdeiro da extrema-direita que tentou derrubar Geisel após ele
colocar para fora o comandante do II Exército, depois da morte na tortura,
também no DOI-Codi, do jornalista Vladimir Herzog.
Mourão já havia
feito homenagem póstuma a Ustra quando ele morreu, aos 83 anos, o que lhe
custou exoneração do Comando Militar Sul, assinada pelo comandante do Exército
general Eduardo Villas Boas a 31/10/2015.
Ao passar para a
reserva, a 1/3/2018, Mourão homenageou de novo seu ex-comandante.
Bolsonaro já
chamou Ustra de herói nacional em três ocasiões, duas como deputado federal, em
2016 e uma já como presidente, quando recebeu, no Palácio, a 9 de agosto de
2019, a viúva do infame coronel.
Por nenhuma dessas
manifestações ele sofreu qualquer reprimenda do Exército, apesar de ter
colocado um torturador e chefe de torturadores, responsável por ao menos 45
mortes e um sem-número de torturas, no mesmo patamar de Tiradentes e Caxias.
A falta de
resposta crítica a declaração tão injuriosa aos verdadeiros heróis nacionais
por parte da cúpula militar me faz conjecturar que os atuais comandantes
concordam com os elogios, o que também os inclui dentre os herdeiros da
linha-dura da ditadura.
A tortura só foi
definida como crime inafiançável e imprescritível no Brasil a partir de 5 de
outubro de 1988, com a promulgação da constituição democrática e a 7 de abril
de 1997, com a promulgação da Lei no. 8455 os que se omitem ou deixam de
investigar também passaram a ser responsabilizados.
Após definir o
que constitui crime de tortura - constranger alguém com emprego de violência ou
grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental; submeter alguém, sob
sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a
intenso sofrimento físico ou mental – a lei afirma que não só o torturador é
passível de reclusão de dois a oito anos, mas também “aquele que se omite em
face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre
na pena de detenção de um a quatro anos”.
Embora proíba
veementemente a prática da tortura, a constituição esqueceu de reprimir os que
exaltam seus autores, uma falha que um dia há de ser corrigida para que, tal
como a Alemanha prende quem faz a saudação “Heil Hitler” em público, seja preso
no Brasil quem faz apologia de torturadores na tentativa de transformá-los em
heróis.
O torturador é,
além de sádico, um covarde. E nenhum covarde pode ser considerado herói.
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