(Foto: STF | Reuters)
"O fatiamento da Petrobras é uma
política que não encontra respaldo na estratégia de nenhuma das grandes
empresas do ramo de energia", avalia a economista Juliane Furno, que
completa: "a justificativa para esse crime de lesa pátria encontra
respaldo na mesma lógica que sustentou a Operação Lava Jato. A idéia de que
mais Estado significa mais corrupção e distorção de preços"
3 de outubro de 2020
Mestre e doutora em desenvolvimento econômico na Unicamp, Assessora
Parlamentar na Câmara Federal e militante do Levante Popular da Juventude.
...
Desde ontem, dia 30 de setembro, O Supremo Tribunal Federal julga a
Reclamação nº 42.576 – feita pelo Congresso Nacional – que exige que o processo
de venda de subsidiárias de da Petrobras passe pelo Parlamento. A proposta do
governo, motivada por uma denúncia de prática anticorrencial, é vender o
controle de 8 das 11 refinarias da Petrobrás. A proposta, no entanto, é um
atentado a razão! Na coluna de hoje quero argumentar essa hipótese com base nos
seus aspectos tanto políticos quanto econômicos.
A Petrobras é um patrimônio do povo brasileiro. Sua criação é fruto da
maior manifestação de massas por uma pauta de soberania vista até então na
nossa história. Seu símbolo representa o anseio e a posterior conquista da
autossuficiência energética e seu desenvolvimento caminha lado a lado com o
fortalecimento de uma grande cadeia de fornecedores nacionais. A Petrobrás foi
o maior instrumento da política industrial brasileira até hoje, provendo não
apenas a preços baixos a principal energia do capitalismo – o petróleo – senão
que, sobretudo, mobilizando nosso parque produtivo interno a partir do seu
enorme poder de compra.
Do ponto de vista político, a ação vai na contramão das referências
internacionais. Das 20 maiores empresas petroleiras mundiais, as primeiras
quatro são estatais. Desse montante, no total, 13 são controlas por Estados
Nacionais e nenhum deles projeta vendê-las.
A indústria de petróleo mundial foi controlada – no seu nascedouro – por
grandes empresas privadas. As chamadas “Sete Irmãs”, para fazer referência ao
cartel das sete maiores empresas petrolíferas, que dominaram o mercado de
petróleo mundial até a década de 1960.
De lá para cá os Estados Nacionais foram assumindo o controle das suas
reservas e construindo grandes empresas para operar a exploração dessa grande
riqueza natural. Ou seja, a tendência mundial – em se tratando de um recurso
estratégico como o petróleo – tem sido de assegurar ao controle nacional o ritmo
e o desenvolvimento da sua exploração.
Ainda no que tange ao aspecto político, o petróleo – cada vez mais – tem
adquirido centralidade na economia mundial. Ainda que a transformação da matriz
energética mundial seja imperiosa, o fato é que, pelo menos até os próximos 30
anos, o petróleo seguirá como o principal energético do planeta. Quem o
controla tem poder, e quem tem esse poder exerce – com menores constrangimentos
– sua soberania.
Do ponto de vista econômico as razões não são menos disruptivas. A força
das grandes petrolíferas internacionais reside, justamente, na sua capacidade
de ser “verticalizada”, ou seja, operando um processo de concentração e
centralização de capitais que as permite controlar todas as fases do processo
produtivo. Assim, o fatiamento da Petrobras é uma política que não encontra
respaldo na estratégia de nenhuma das grandes empresas do ramo de energia. A
integração vertical permite que a empresa não fique vulnerável as oscilações do
preço do barril no mercado internacional. Assim, em momento nos quais o preço
está deveras deprimido, ainda assim a empresa pode ter déficit na produção e
exploração e ser lucrativa, uma vez que ela compensa com superávit no refino e/ou
na distribuição. Da mesma forma, só uma empresa integrada e estatal pode operar
uma política de redução do custo do combustível – a título de estratégia de
política industrial ou de soerguimento econômico nacional – reduzindo as
margens de lucro no refino e compensando na exploração. Assim, no agregado, a
empresa permanece lucrativa.
A justificativa de alienação dos ativos da Petrobras amparada na falácia
que ela está muito “endividada” também não encontra razão econômica. A
Petrobras tem uma dívida elevada como qualquer empresa petrolífera. Nenhuma
grande empresa financia ousadas investidas – como foi para descobrir o Pré-Sal
– usando capital próprio. O que deve-se atentar na análise da dívida não é o
seu valor nominal, mas sim a sua capacidade de solvência. O endividamento da
Petrobras cresce concomitantemente crescem as reservas petrolíferas, ou seja -
a sua renda – o que não constitui problemas de insolvência. Além disso, os
investimentos feitos no Pré-sal têm maturação média de 10 anos. Ou seja, apenas
a partir de 2020 começará, de forma mais célere, a geração de receita para
amortecimento da dívida. Até aí tudo absolutamente normal para quem entende do
setor.
Além disso, ao vender o controle das refinarias a Petrobras vai
amortecer seu endividamento apenas do ponto de vista ilusório, no curto prazo.
No longo prazo, porém, ela perde o direto ao recebimento da renda futura dessa
atividade. Segundo o INEEP, apenas duas das refinarias que estão na lista, a
Rlam e a Rnest – geraram mais de R$ 5 bilhões de receita operacional á
Petrobras, o que significa que ela teve mais capacidade de gerar lucro ao seu
acionista majoritário que é o Estado.
Por fim, ainda do ponto de vista econômico, a justificativa de abrir o
mercado para gerar concorrência e isso pressionar a redução do preço ao
consumidor é outro atentado a inteligência. Isso porque não existe concorrência
nesse mercado. Vamos substituir um monopólio público por um monopólio privado.
Você não vai trocar de estado da federação para abastecer seu carro porque o
preço do posto que recebe gasolina da refinaria privada está mais caro. Ou
seja, estamos na iminência de formar monopólios regionais.
A justificativa para esse crime de lesa pátria encontra respaldo na
mesma lógica que sustentou, sorrateiramente, a Operação Lava Jato. A idéia de
que mais Estado significa mais corrupção e distorção de preços. É mais um passo
do Golpe que está vocacionado para solapar a soberania econômica, política e
energética nacional.
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