(Foto: KEVIN LAMARQUE)
"Como o trumpismo mostra seus limites,
a partir do momento em que se torna governo e vê seu discurso submetido à
desmistificação a partir da realidade, a derrota de Trump é extremamente grave
para o presidente brasileiro", escreve o sociólogo Emir Sader sobre as
eleiçoes dos EUA
7 de novembro de 2020
Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas
políticos brasileiros
...
Bolsonaro foi eleito, de forma fraudulenta, pelas necessidades
imperiosas da direita brasileira de impedir o retorno do PT ao governo do
Brasil. De forma, em parte similar, à necessidade da direita norte-americana de
derrotar os democratas em 2016, dois anos antes da eleição de Bolsonaro no
Brasil.
Mas Bolsonaro aderiu ao trumpismo, ao estilo e à performance de Trump,
para construir seu discurso e projetar sua imagem de novo líder da extrema
direita no Brasil. Seu governo e seu discurso assumiram o tom das agressões aos
meios de comunicação - considerados seus inimigos, - assim como ao Congresso e
ao Judiciário. Negacionista da ciência, dos movimentos sociais, da democracia e
dos direitos humanos, com linguagem agressivo.
Bolsonaro teve um momento de auge no seu segundo ano de governo, até que
entrou em nova crise, ainda antes da derrota de Trump. Mas, agora, sem seu
grande líder e inspirador, além de referência da sua política internacional, o
que será de Bolsonaro sem Trump?
Para Bolsonaro é um golpe muito duro, pela derrota do estilo de governo
de Trump, -um dos poucos presidentes norte-americanos a não ser reeleito. Sua
primeira reação poderá ser a consolidação do pragmatismo que ele já começou a
trilhar, baixando o tom ideológico e fundamentalista do seu discurso,
consolidando suas alianças com o Congresso e o Judiciário.
Com um novo governo em Washington, já é possível saber os temas em que
prioritariamente o governo brasileiro vai sofrer pressões fortes: relações
exteriores, meio ambiente e direitos humanos. No tema da Amazônia, já é
possível ver o batido argumento da defesa da soberania nacional, denunciando a cobiça
norteamericana sobre a Amazônia.
Mas isso não terá maior efeito. Já se cogita do deslocamento do ministro
do meio ambiente, Ricardo Salles, para outro setor do governo. O ministro de
relações exteriores, Ernesto Araújo, também dificilmente seguirá no cargo, além
de mudanças no ministério da cidadania, a cargo das questões de direitos
humanos.
O ministro de relações exteriores havia assumido, antes das eleições
norte-americanas, que o Brasil se reivindicava como um “pária”. Mas uma coisa é
ser pária com os Estados Unidos, outra é sê-lo com governos isolados e sem
nenhum prestígio internacional. É provável que o governo brasileiro mude sua
postura externa, inclusive nos organismos internacionais e nas relações com os
países vizinhos.
Bolsonaro já disse, em um dos tweets destes dias, que há uma tendência
de fortalecimento da esquerda na América Latina, alertando de que o fenômeno
pode chegar no Brasil. O governo brasileiro demorou, mas saudou o novo
presidente da Bolívia. Consciente disso, ele deve baixar o tom em relação à
Argentina, não necessariamente em relação a Cuba e à Venezuela.
O vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, tentou amainar os efeitos
da deterioração previsível nas relações com os Estados Unidos, alegando que as
relações do Bolsonaro e dos seus filhos com Trump seriam relações pessoais, mas
que ele espera que a relação de Estado a Estado se mantenha, com os interesses
fundamentais das duas partes sendo preservadas. Os acordos econômicos assinados
recentemente entre os governos dos Estados Unidos e do Brasil podem ser
revistos, assim como outros acordos, conforme a atitude concreta que o governo
Biden tenha em relação ao Brasil. De imediato, a reinserção dos Estados Unidos
nos organismos multilaterais também condicionará o isolacionismo do governo
brasileiro nesses organismos.
Porém, o maior baque para o Bolsonaro é a constatação de que o trumpismo
fracassou como forma de governo, não permitiu a reeleição - objetivo
fundamental do presidente brasileiro. Difícil saber como Bolsonaro vai
assimilar esses efeitos. Se vai buscar alguma explicação aleatória, retirada do
próprio discurso do Trump – como o de que houve fraude na sua derrota -, como
já aparece em um dos tweets do presidente brasileiro ou se vai fazer como se
nada tivesse acontecido, pela dificuldade de abandonar o trumpismo, que está no
cerne mesmo do Bolsonaro.
De qualquer forma, como o trumpismo mostra seus limites, a partir do
momento em que se torna governo e vê seu discurso submetido à desmistificação a
partir da realidade, a derrota de Trump é extremamente grave para o presidente
brasileiro. A transformação da eleição em referendo sobre o Trump deu certo e
deve ser o caminho que a oposição brasileira trilhe para derrotar aqui também o
trumpismo de Bolsonaro.
Mas, por enquanto, em solidariedade com seu aliado, Bolsonaro afirma que
não reconhecerá a vitória de Biden, se Trump acionar o Judiciário. E,
pateticamente, confessou: “A esperança é a última que morre”. Mas conforme
avançam as apurações das eleições norte-americanas, corre a contagem regressiva
para a vida difícil do Bolsonaro sem o Trump.
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