(Foto: REUTERS/Adriano Machado)
"Bastava observar as orelhas e
bochechas afogueadas, o tom ríspido, as frases curtas, ao estilo de quem dá
ordem ao batalhão, para ver que o ainda ministro Eduardo Pazuello transbordava
irritação e insatisfação, diante do que se viu no Hospital das Clínicas",
escreve a jornalista Denise Assis sobre o ministro da Saúde
17 de janeiro de 2021
Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal
do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Autora de "Propaganda e cinema a serviço
do golpe - 1962/1964" e "Imaculada". Membro do Jornalistas pela
Democracia
Bastava observar as orelhas e bochechas afogueadas, o tom ríspido, as
frases curtas, ao estilo de quem dá ordem ao batalhão, para ver que o ainda
ministro Eduardo Pazuello transbordava irritação e insatisfação, diante do que
se viu no Hospital das Clínicas, cenário escolhido pelo governador João Doria,
para o anúncio da aprovação, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), da vacina Coronavac, desenvolvida em conjunto com a China.
Para ele, o dia não era de esperança, como para todos nós, que
reservamos o domingo para assistirmos plenos de felicidade – independente de
ser João Doria ou menos João Doria, a comandar o evento. Para Pazuello,
importou marcar na lousa o x da derrota, imposta dele para com ele mesmo, ou de
Bolsonaro para com o subordinado. Não tivesse o governo estipulado a aprovação
à vacina como uma corrida de cem metros rasos, e estariam todos no mesmo palco,
comemorando a vitória da saúde, da vida e do país.
Mas Bolsonaro primeiramente e Pazuello, por submissão, tomaram a si o
caráter de batalha dado à conquista da primeira doze de vacina. Um troféu que
lhes escapou da mão e, se era vidro, se quebrou. Vamos guardar para depois as
observações sobre a sanha marketeira de Doria, vamos comentar mais tarde que
ele também topou a disputa. Porém, neste momento, é difícil tirar do governador
os motivos para montar com rigor uma cerimônia em que estavam presentes os
nomes dos envolvidos neste brilhante trabalho de descoberta científica. Não
faltou o senso de justiça social, de elevar à condição histórica duas mulheres
representativas – Mônica Aparecida Calazans, 54 anos, e Vanuzia Costa Santos,
da etnia Kaimbé, 50 – com a cara do Brasil, que tanto Bolsonaro quanto Pazuello
desprezam e torcem para que morram.
Mônica pega ônibus e se expõe ao contágio todos os dias, para estar na
linha de frente ajudando os que agonizam na unidade onde trabalha. Ela atua no
Instituto de Infectologia Emílio Ribas, na capital paulista, em turnos de 12
horas, em dias alternados, na UTI do Hospital. Vanuzia está na capital paulista
desde 1988, representando o povo Kaimbé, da Bahia, e milita na causa dos
direitos humanos. Após ser vacinada, Vanuzia contou que sonha um dia retornar
para cuidar dos moradores da aldeia de Massacará, na cidade de Euclides da
Cunha, onde nasceu.
Ambas receberam as doses de vacina no Hospital das Clínicas, durante o
anúncio de aprovação do imunizante coronavac, aprovado havia minutos, pela
Anvisa, a despeito de todos os entraves colocados pelo governo federal.
Enquanto isto, em Brasília, um papelucho amarfanhado e escrito à mão –
conforme as câmeras deixavam ver -, tremulava nas mãos do ministro, dando
mostras de por que foi o governo de São Paulo, e não o seu ministério, que
desenvolveu uma vacina capaz de doravante – se realmente seguido o roteiro do
Plano Nacional de Imunização, encaminhado para e por exigência do Supremo
Tribunal Federal (STF) – salvar vidas no Brasil.
O governador Doria confeccionou camisas, escolheu com critério as
primeiras vacinadas, preparou púlpitos, convocou a imprensa nacional e
internacional e direcionava pessoalmente as perguntas aos técnicos capazes de
respondê-las, quanto ao ministro, não teve o capricho de pedir a um assessor
que digitasse o seu roteiro, não destacou alguém para entregar a tempo o
microfone para os jornalistas que fariam as perguntas (mal se ouvia o que
falavam) e não escondeu a rispidez costumeira, nem sequer por trás de uma falsa
alegria, que fosse, pela vitória obtida na tarde de hoje.
Pazuello não só não comemorou, como ainda tentou estragar a festa de
Doria, ameaçando judicializar o uso das duas doses de vacinas utilizadas na
cerimônia. Perdeu, playboy. A bola estava no campo adversário, e foi enfermeira
Mônica quem deu a melhor resposta à frustração de Pazuello: “Não é apenas uma
vacina. É o recomeço de uma vida que pode ser justa, sem preconceitos e com
garantia de que todos nós teremos as mesmas condições de viver dignamente, com
saúde e bem-estar”, disse ela, que é obesa, hipertensa e diabética. E qual é o
juiz que vai se colocar contra esses princípios?
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