Por: Eric
Nepomuceno | 17/09/2016
Existem frases
que dispensam comentários e rechaçam desmentidos. Nesta quarta-feira (14/9),
quando os jovens promotores da equipe do Ministério Público Federal, responsáveis
pela Operação Lava-Jato, disseram que não há provas contra o ex-presidente Lula
da Silva, mas sim convicção, ficou claro que o processo contra o político
brasileiro está muito mais próximo da Santa Inquisição que da Justiça.
Os abusos e
inconsistências apresentadas ao público pelo fiscal encarregado da Lava-Jato, o
predicador evangélico Deltan Dallagnol tiveram o efeito de um bumerangue na
opinião pública.
Fascinado e
ofuscado pelas luzes da glória, o jovem e messiânico promotor cometeu erros
jurídicos dignos de um menino pedante que não sabe sequer o endereço da escola
de direito. O mais evidente e escandaloso desses erros primários foi ter
dedicado a maior parte do tempo de sua exposição a apontar Lula como chefe de
uma organização criminosa, o centro de um universo solar de corrupção, segundo
ele.
Provas? Não
há, nenhuma. Mas há convicção, como sentenciou um de seus também jovens
assistentes. Baseadas em que? Em dados e indícios. Sendo assim, por que não
denunciá-lo por formação de quadrilha? Silêncio.
A reação
negativa foi imediata. Da conservadora Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a
diários claramente comprometidos com o golpe institucional que destituiu a
presidenta Dilma Rousseff (também sem provas e sem crime) e instalou o
usurpador Michel Temer na cadeira presidencial, surgiram diversas críticas, com
mais ou menos ênfase ao espetáculo circense oferecido pelo irresponsável e
vaidoso promotor Deltan Dallagnol, que tenta projetar uma imagem de salvador da
pátria, ao estilo do que a imprensa vem comprando ultimamente, mas que até gora
vem mostrando um desempenho bastante desastrado.
Foi ele o
autor, por certo, da mais grave e extensa de todas as ações cujo objetivo
claríssimo é eliminar do cenário político brasileiro o mais popular dos
dirigentes das últimas seis ou sete décadas. Entregou em bandeja de prata, aos
detratores de Lula da Silva, um arsenal estrondoso.
Porém, ao
mesmo tempo, sua oferta se mostrou uma faca de dois gumes. Era claro que Lula
reagiria. Ao transformar seu discurso num feroz pronunciamento político, o
pobre Deltan entrou num campo de batalha no qual ele é um torpe e risível
amador, e onde Lula é insuperável.
É verdade que
ele conseguiu fornecer munição aos que não podem superar Lula nas urnas
eleitorais. Alguns, sem limites para a sua hipocrisia, usaram essas mesmas
ferramentas para reforçar o discurso violento contra o líder petista. O senador
Aécio Neves, por exemplo, um dos cabeças da manobra que resultou no golpe
contra Dilma, foi um dos primeiros: logo após ouvir a emotiva defesa pessoal
apresentada por Lula da Silva, reclamou da falta de algum tipo de confissão, de
mea-culpa por parte dele.
Aécio se
esquece que é ele, precisamente, um dos políticos mais denunciados nas delações
dentro da Operação Lava-Jato. Claro que ele sabe que jamais deixará de contar
com o manto protetor de um sistema judiciário absolutamente politizado, que o
vem protegendo de ter que testemunhar, evadindo assim qualquer necessidade de
confessar o que seja – e assim continuará sendo.
Dallagnol, em
sua caminhada rumo ao trono de Torquemada, abriu as largas avenidas para que
Lula pratique uma de suas especialidades mais conhecidas: o discurso da
indignação. Ao denunciar também a esposa do ex-presidente, dona Marisa Letícia,
o triste promotor permitiu que Lula se dirigisse ao seu público se apresentando
não como um ex-presidente vítima de uma injustiça cósmica, ou como um dirigente
político que tem que ser derrotado por seus adversários por qualquer método –
já que no jogo eleitoral ele continua sendo favorito, como indicam as
pesquisas.
Permitiu a ele
falar como cidadão indignado. Lula contou as humilhações que vem sofrendo com
as ações ilegais e abusivas da Polícia Federal, que atuou sob as ordens de
outro membro da Santa Inquisição de Curitiba, o provinciano juiz de primeira
instância Sérgio Moro. "Chegaram a revisar debaixo do meu colchão",
contou Lula. "O que buscavam ali? O ouro de Moscou?". O ex-presidente
também contou que se levaram os celulares de suas netas. "Eles não tem o
direito de humilhar a minha família", gritou um Lula emocionado, que
chorou um mais de um momento.
O
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, outro dos cabeças do golpe, insinuou
que a iniciativa do promotor Dallagnol talvez não tenha sido uma ideia
brilhante: "é preciso analisar tudo com muita cautela". Talvez
recomendando, com suas palavras, que se a Justiça tenha a mesma cautela com as
denúncias contra o seu partido o PSDB, especialmente as que ocorreram em seus
mandatos presidenciais, entre 1995 e 2002 – as que são muitas, e que, diferente
das do PT e de Lula, vem sendo tratadas com cautela excessiva.
A hipocrisia
chega a níveis olímpicos quando se recorda algo que Lula da Silva destacou em
seu discurso de quinta-feira (15/9). Há dois anos, a Polícia Federal encontrou
um helicóptero carregado com 400 quilos de cocaína. O veículo pertence ao
senador Zezé Perrella, amigo pessoal de Aécio Neves, e seu aliado no golpe e em
outros negócios não exatamente republicanos. O fato ocorreu meses antes das
eleições de 2014, quando Aécio era o principal candidato da oposição contra
Dilma Rousseff, e a total omissão do fato na mídia, além da não investigação do
Ministério Público, que levou definitivamente a que terminasse em impunidade,
ajudou a candidatura do tucano a chegar ao segundo turno, e ameaçar a vitória
petista.
"Comigo,
dizem não ter provas, apenas convicção. No caso do helicóptero havia provas,
pegaram ele lá cheio de cocaína, o que não havia era convicção", fulminou
um Lula da Silva em estado puro, com certa ironia ressaltando a diferença de
tratamento por parte das investigações de um caso de outro.
O mesmo Lula,
com a mesma indignação, advertiu os golpistas do Poder Judiciário: "se
acreditam que esta história está chegando ao final, se preparem, porque está
apenas começando".
Tradução:
Victor Farinelli
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