João de Deus entre Ronaldo Fenômeno e a modelo Celina Locks
Publicado por
Diário do Centro do Mundo - 16 de
dezembro de 2018
Esta reportagem
do Hypeness foi publicada originalmente em 2014. Ganha atualidade com a fuga do
curandeiro picareta João de Deus, acusado do abuso sexual de mais de 200
mulheres
Em 25 de outubro
desse ano, um programa de televisão australiano chamado “60 Minutos” (em
tradução livre) contou a história da cética investigação que a jornalista Liz
Hayes fez sobre o enigmático João Teixeira de Faria, mais conhecido como “João
de Deus”, em 1998.
O brasileiro
ficou internacionalmente conhecido depois de ser promovido por ninguém menos
que a apresentadora norte-americana Oprah Winfrey, uma das mais famosas do
mundo, como um médium que canalizava os espíritos de médicos mortos e os usava
para realizar curas milagrosas em pessoas das mais diversas nacionalidades que
o visitavam em sua “Casa”, em Abadiânia, Goiás.
Aqui está um
resumo do que foi revelado nesta investigação, embora o título desse artigo já
dê uma boa dica do que você vai encontrar aqui pela frente.
Parte 1 do caso João de Deus
Na parte 1 da
reportagem, o repórter Michael Usher revelou que uma mulher declarada como
curada de um câncer de mama por uma entidade espiritual canalizada por João de
Deus morreu em 2003. Uma outra mulher em uma cadeira de rodas com esclerose
múltipla que, na pesquisa de Hayes realizada em 1998, visitou João com a
expectativa de andar novamente, disse não ter sentido qualquer efeito do
“tratamento” e obviamente ainda está em uma cadeira de rodas.
Na verdade, sua
condição até piorou. Mas se você é desses que diz “não custava nada tentar”,
bem, você está enganado. Essa brincadeira de sair lá da Austrália para vir até
o “consultório” de João de Deus saiu por 5 mil dólares australianos. Algo que
ultrapassa tranquilamente os 10 mil reais. A matéria de Usher também conta que
nenhum dos outros australianos (que vieram em um grupo de 40 pessoas) sentiram
qualquer melhora após a consulta.
O relatório do
jornalista Usher também mencionou que alguns dos milhares de pacientes de João
também esperavam receber uma tal de “cirurgia espiritual” com ele, 3 vezes na
semana. Essas práticas, tais como a inserção de tesouras (ou pinças) de
profundidade em um nariz, e raspar um olho sem anestesia, foram registradas em histórias
anteriores sobre João. Parece cruel, não? João também foi mostrado diversas
vezes fazendo várias incisões na pele de seus “pacientes” sem demonstrar o
menor respeito por procedimentos anestésicos ou de esterilização de materiais.
Para o médico
David Rosengren, “o mundo da medicina moderna não pode tolerar esse
comportamento de forma alguma”. Fácil de concordar com ele, não? Até porque um
procedimento como esse pode custar bem mais caro – se a gente partir do
pressuposto que uma vida vale bem mais de 5 mil dólares.
No decorrer da matéria, Usher esclarece a questão dos valores
cobrados
A consulta com o
João de Deus era gratuita, mas muitas vezes ele prescrevia visitas a uns leitos
de cristal [que contavam com luzes coloridas brilhando sobre eles], que
custavam US$ 25 por sessão. Isso gerava uma receita de aproximadamente 1.8
milhão de dólares por ano. Nada mal. Havia também a “água abençoada”, que
custava cerca de um dólar por garrafa.
O consultório
também contava com uma loja de presentes e uma farmácia, que vendia pílulas
abençoadas de ervas (apenas disponíveis sob prescrição João de Deus,
aparentemente). Uma caixa saía por US$ 25, o que garantia uma receita de US$
40.000 POR DIA. Isso significava mais de US$ 14 milhões por ano (R$ 36,15 mi no
câmbio atual).
Usher ressalta
que foi comprovado que as pílulas não eram nada além de maracujá.
De acordo com o
Natural Medicines Comprehensive Database (banco de dados de medicina natural,
em tradução livre), o maracujá é “possivelmente seguro quando usado por via
oral e de forma adequada para fins medicinais de curto prazo”, e também é
“possivelmente perigoso quando utilizado em quantidades excessivas” e não deve
absolutamente ser usado durante a gravidez, já que “constituintes de
maracujazeiro mostram evidências de estimulação uterina”, o que poderia
provocar um aborto.
Esse mesmo banco
de dados sugere que o composto em questão é possivelmente eficaz para
transtornos de humor, ansiedade e abstinência de opiáceos, mas “pode causar
tonturas, confusão, sedação e ataxia” e há alguns relatos de efeitos colaterais
mais graves, incluindo vasculite e consciência alterada. Ou seja: requer um
certo cuidado ao ser prescrito.
Parte 2 do caso João de Deus
Na Parte 2 da
matéria, Usher afirmou que houve duas mortes nos últimos anos na “Casa” que
justificam as investigações, mas ninguém sequer foi acusado.
Ele também
informou que, em 2010, quando João visitou Sedona, no Arizona (Estados Unidos),
o departamento de polícia o investigou porque uma mulher disse que ele pegou as
mãos dela e as colocou em seus órgãos genitais; João também teria tentado
colocar a mão embaixo da saia dela. O caso nunca foi ao tribunal; um de seus
associados incentivou a mulher a desfazer as acusações. Sabe-se lá que
incentivos foram esses.
O que João tem a dizer em sua própria defesa?
O jornalista
australiano tentou entrevistar João, mas ele acabou ficando muito irritado
depois que Usher perguntou se João se interessava mais pelo dinheiro do que
pelos milagres e se ele já havia agredido sexualmente algum de seus pacientes.
A matéria mostra que João foi embora, respondeu sarcasticamente para o
intérprete e depois voltou para a entrevista insistindo para ver o que havia
sido gravado. Suspeito.
Mas isso não foi tudo.
Em 10 de
fevereiro de 2005, foi ao ar no horário nobre da televisão norte-americana uma
entrevista muito mais cordial de João de Deus, conduzida pelo repórter John
Quiñones, que também entrevistou o milagreiro Oz e o médico James Randi. Nessa
ocasião, Oz falou de uma “técnica” que envolvia colocar uma pinça no nariz das
pessoas para ver se isso teria alguma influência sob medicamentos tomados.
Essa especulação
obviamente não faz sentido anatômico, mas os telespectadores não tiveram acesso
a essa informação esclarecida pelo Dr. Randi, porque o horário nobre escolheu
colocar no ar apenas os 19 segundos em que o médico protestou contra João de
Deus, declarando-o um charlatão.
Embora Quiñones
seja um jornalista premiado, o saldo dessa entrevista acabou sendo um
desserviço aos seus telespectadores, por não explorar os dois lados da
história.
Conclusão
Ao relatar João
Teixeira de Faria, Oprah e Quiñones selecionaram informações para incentivar o
pensamento positivo de que Deus e os espíritos usam um homem sem instrução como
um canal para a cura sobrenatural.
Em contraste,
tanto o levantamento realizado em 1998 quanto o de 2014 por parte do
australiano foram baseados em um ceticismo saudável e permitiu os espectadores
compreendessem os méritos de pontos de vista contrastantes. Em seu relatório,
Michael Usher reconheceu o valor da esperança, mas também observou que ela pode
ser uma fraqueza, transformando as pessoas em presas fáceis e vulneráveis para
o pior tipo de seres humanos.
João de Deus é
um homem que afirma fazer milagres e curar os doentes. Ele se chama João de
Deus, mas não há nada de divino nele. Milhares de pessoas o procuram na
esperança de uma cura para a sua dor, mas acabam sendo esfolados na hora de
pagar a conta. Ele se vende como a suposta cura de Deus, mas não o faz de bom
grado. Muito pelo contrário. Ele é um homem de negócios parcimonioso que ganha
dezenas de milhões de dólares com a fé e o desespero alheio. Posso estar
enganada, mas não vejo nada de nobre nisso. [Randi, RD]
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