(Foto: Aroeira)
"Caímos na ilusão que perdura nos
nossos dias que capitais estrangeiros vão promover o nosso desenvolvimento e
bem-estar", afirma o deputado Patrus Ananias. "A rigor, eles buscam
em primeiro lugar os seus lucros, que sempre retornam aos seus donos e
acionistas em seus países de origem"
7 de setembro de 2020
Deputado federal, secretário-geral da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, foi ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do Desenvolvimento Agrário, prefeito e vereador de Belo Horizonte
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Celebrar o 7 de setembro e pensar o processo emancipatório nacional nos
faz voltar aos dias da independência. Foi um processo muito singular. A nossa
independência foi proclamada pelo príncipe herdeiro da coroa portuguesa. O
Brasil indenizou Portugal pela perda da sua colônia. Nas palavras do
historiador Boris Fausto na sua História do Brasil: “Isto ocorreu em 1825 por
um tratado em que o Brasil concordou em compensar a metrópole em dois milhões
de libras pela perda da antiga colônia (...) a necessidade de indenizar a coroa
portuguesa deu origem ao primeiro empréstimo contraído pelo Brasil em Londres”.
Saímos do domínio político de Portugal e caímos nos braços econômicos da então
superpoderosa Inglaterra.
A plena independência de um país se faz em dois níveis: em relação aos
demais países, no exercício efetivo da soberania nacional; e em relação ao seu
próprio povo, garantindo-lhe dignas condições de vida para que possa exercer a
soberania popular, prevista na nossa Constituição.
Tivemos então ao longo do século XIX a forte presença econômica para não
dizer domínio da Inglaterra. Tivemos alguns entreveros e chegamos a romper
relações que não chegaram a quebrar a hegemonia inglesa que se fazia dominante
mundo afora.
O século XX assistiu à crescente presença dos Estados Unidos, que
passaram a ver a América Latina como uma extensão de seus interesses. O Brasil
não fugiu ao crescente domínio econômico, cultural e ideológico da nova
potência mundial. Surgiram outros atores no cenário mundial, a antiga União
Soviética, a Europa reerguida após a 2ª Guerra Mundial, o Japão, mais
recentemente a China. O Brasil, em alguns momentos históricos deu bons sinais
de que romperia com a nossa economia dependente. Tais sinais não se efetivaram.
Continuamos produzindo segundo as demandas do mercado externo, sem
considerarmos as nossas próprias necessidades e potencialidades. Um país
exportador de matérias-primas. Quando buscamos ampliar a nossa indústria,
abrimos as nossas fronteiras ao capital estrangeiro. Esquecemos as lições de
muitos países, começando pela Inglaterra e Estados Unidos, que aprenderam que o
capital se faz em casa, como nos ensinou o notável nacionalista Barbosa Lima
Sobrinho, no seu livro sobre o Japão.
Caímos na ilusão que perdura nos nossos dias que capitais estrangeiros
vão promover o nosso desenvolvimento e bem-estar. A rigor, eles buscam em
primeiro lugar os seus lucros, que sempre retornam aos seus donos e acionistas
em seus países de origem.
Tivemos importantes momentos históricos em que se buscou afirmar o
projeto nacional, com a criação de empresas públicas como a Petrobras, a
Eletrobras e a Cemig no setor energético, a Vale do Rio Doce, a Embrapa no
setor agrícola. Essas e outras empresas públicas surgiram em face da
incapacidade ou omissão do setor privado. Depois que as empresas ganham porte e
abrem as portas do conhecimento e da produção, elas são privatizadas como está
ocorrendo agora. Mais do que privatizadas, são quase sempre entregues ao capital
estrangeiro.
Quando voltamos para o plano interno e falamos da soberania popular,
vinculamos a independência ao exercício dos direitos e deveres da cidadania que
se articula com o acesso aos direitos fundamentais, presentes e bem
explicitados em nossa Constituição. Nem sempre efetivados. Na atual conjuntura
estão sendo duramente agredidos.
Os detentores do poder no Brasil tentaram conciliar a independência com
a escravidão, que atravessou quase todo o período imperial. A rigor, o pesado
fardo da escravidão nos acompanha. A Lei Áurea não assegurou aos nossos
antepassados escravos e aos seus descendentes o acesso à cidadania. É uma das
causas das injustiças e desigualdades sociais que marcam o nosso país.
Mantiveram os donos do poder o direito de propriedade absolutamente
sacralizado, acima do direito à vida, concepção herdada das capitanias
hereditárias e sesmarias. Estamos indo século XXI afora sem termos subordinado
o direito de propriedade, em princípio legítimo, às exigências superiores do
bem comum nacional. Por isso não realizamos as três reformas sociais básicas
que os países capitalistas mais acertados consigo mesmo realizaram: reformas
agrária, urbana e tributária. Esta no sentido de exigir um justo e razoável
retorno dos que mais ganham dentro do espaço nacional.
Cabe portanto no dia em que celebramos a nossa independência de Portugal
confrontarmo-nos com algumas perguntas para que possamos abrir as portas do
futuro. Somos um país plenamente independente para definirmos as nossas
prioridades nacionais e em função dela os rumos da nossa economia? O povo
brasileiro vive a sua liberdade e independência, se considerarmos que ainda
perduram entre nós as amarras da fome, da miséria, da ignorância, das doenças
que podem ser eficazmente prevenidas e combatidas? Se ainda perduram entre nós
as travas seculares que impedem o acesso de todas as brasileiras e brasileiros
à moradia digna, ao trabalho decente, ao meio ambiente saudável? O acesso aos
bens da cultura, da arte, do conhecimento?
No próximo ano, 2022, estaremos celebrando os 200 anos do Grito do
Ipiranga. Há um século, em 1922, a independência foi bem celebrada no seu
primeiro centenário. Tivemos vários movimentos e iniciativas históricos.
Fiquemos com a Semana da Arte Moderna, que mobilizou a Cultura e as Artes e estende
os seus desdobramentos aos nossos dias. Podemos dizer hoje, do ponto de vista
cultural, que somos um país plenamente independente. 1922 mexeu fundo com as
águas da nossa literatura, da nossa música, da nossa pintura, da nossa
arquitetura. Mobilizou inteligências e vidas que mergulharam na nossa história,
no nosso folclore, na nossa cultura popular e pensaram os nossos desafios, os
desafios da educação e do conhecimento.
Vamos pensar e trabalhar para que as comemorações do bicentenário da
nossa independência nos façam avançar no desejado encontro do Brasil consigo
mesmo.
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