Por Fernando
Brito | 20/10/2020
Em março de
1974, ao assumir o governo, o general Ernesto Geisel anunciou que a política
externa brasileira, depois de uma década de um forte alinhamento com os Estados
Unidos (embora nunca tenha sido completo, mesmo nos governos militares
anteriores), seria a de um “pragmatismo ecumênico e responsável”.
Era o tempo da
descolonização africana, da entrada da China como player global, do “movimento
de países não alinhados” às superpotências – que o Brasil integrou como
observador – e, de alguma forma, a retomada da surpreendente política de
ampliação de nossas relações internacionais iniciada por, acredite, Jânio
Quadros, no início dos anos 60.
Salvo por breves
períodos no governo de Fernando Henrique Cardoso, são quase cinco décadas de
uma política bem sucedida do ponto de vista comercial, embora muito pouco sob a
ótica econômica, mas estes são outros 500, em razão da troca da
industrialização pela financeirização como prioridade do país.
O que estamos
assistindo agora – e a desavergonhada utilização de nosso país como instrumento
de política eleitoral nos Estados Unidos deve ser mesmo algo alucinante para o
profissionalíssimo corpo diplomático brasileiro. Mas também o seria para a
geração de militares que, embora autoritários e ditatoriais, tinham uma linha
de pensamento própria em relação ao Brasil que ia muito além da mera sabujice.
Um acordo de
compra de trigo, outro de liberação de tarifas para o etanol de milho do estado
de Iowa, onde Trump está muito abaixo de seus dias de glória e, agora, um mal
arranjado acordo que surge, de repente, com providências apenas declaratórias e
evitando ajustes tarifários que não passariam no Congresso dos EUA e a
inacreditável pressão para banir empresas da China, disparado nosso maior
parceiro comercial, tudo mostra que o Itamaraty, sob a energúmena direção de um
olavista transformou-se num comitê eleitoral do Partido Republicano.
O Brasil perdeu
seu papel tradicional de liderança latinoamericana (felizmente sem capacidade
bélica para criar um incidente militar com a Venezuela), degradou suas relações
com a União Europeia pela via ambiental, deixou o mundo árabe ressabiado com a
“israelização evangélica” que assumiu, obrigou os chineses a recorrerem a
Confúcio para não reagir às provocações da “primeira prole” e, agora, cede seus
bons ofícios para que os EUA exerçam, sobre nós próprios, pressão contra a
gigante chinesa das telecomunicações, a Huawei e sua participação da
estruturação de redes 5G.
Francamente, é
difícil imaginar um esmero maior em destruir, em apenas 22 meses, tanto esforço
de gerações de brasileiros que, embora com fortes diferenças ideológicas, não
atiravam ao lixo os interesses nacionais.
Mais ainda,
porém. Nunca se viu tamanha imprudência diante de um cenário político-econômico
cheio de incertezas, não apenas pelas eleições norte-americanas – em duas
semanas e com um cenário sombrio para o atual ocupante da Casa Branca e com uma
névoa opaca sobre o que será da economia mundial nos próximos meses, com o
recrudescimento da Covid na Europa e uma grande interrogação sobre a capacidade
chinesa de seguir expandindo, no mesmo ritmo de antes, a sua atividade
econômica e, portanto, as suas importações do Brasil.
Estamos dando
prioridade a uma economia em declínio, como a dos EUA, e dando quase uma banana
para a que mais vigorosamente ascende no mundo. Pior, os afagos nos EUA são
tapas em nossos próprios interesses, porque somos competidores no comércio e
bem pouco complementares.
Também por conta
disso, estamos perdendo para os chineses não apenas o mercado da Argentina (o
quarto maior para produtos brasileiros) como, também, investimentos do país
asiático que estão, cada vez mais, fluindo para os portenhos.
Trocamos,
afinal, o “pragmatismo ecumênico e responsável” pelo “ideologismo sectário
irresponsável”.
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