(Foto:
Reprodução)
"A extrema direita com suporte massivo da classe média e
uma estrutura ‘institucional’ de peso, com lastro religioso e militar, só
existe no Brasil", escreve Moisés Mendes, do Jornalistas pela Democracia
19 de outubro de
2020
Moisés Mendes é
jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor
especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
...
A extrema
direita com suporte massivo da classe média e uma estrutura ‘institucional’ de
peso, com lastro religioso e militar, só existe no Brasil. Bolsonaro, seus
garotos, suas milícias e seus generais são um fenômeno verde-amarelo, um caso
único na América do Sul.
O avanço do fascismo
não chegou a produzir outras figuras do porte de Bolsonaro. A Bolívia que
elegeu Luis Arce e derrotou o golpe apresenta mais uma prova de que o espaço de
atuação e de convencimento da extrema direita tem limites.
O candidato Luis
Fernando Camacho (foto), da Unidade Cívica Solidária (UCS), o Bolsonaro deles,
com diferenças de detalhes não muito relevantes, pode ter ficado com apenas 14%
dos votos, pelas projeções feitas até agora.
Camacho é tudo o
que Bolsonaro pensa ser: rico, fazendeiro, empresário e representante legítimo
dos latifundiários e milionários. Foi um dos líderes do golpe que derrubou
Morales. Fez um fiasco na eleição, sempre agarrado a uma Bíblia.
Na Argentina,
nas eleições do ano passado, dois representantes da extrema direita também
pagaram um mico dos grandes.
O major Gómez
Centurión, do Partido Conservador Popular (com 1,7% dos votos), e o economista
José Luis Espert, do Unite (com 1,7%), foram o vexame da eleição vencida por
Alberto Fernández.
O que acontece
agora na Argentina é a bolsonarização de Mauricio Macri e o crescimento da
extrema direita ‘alternativa’ à margem dos partidos, usada para ataques nas
redes sociais e como massa de manobra do macrismo nos atos de rua que ensaiam
uma tentativa de golpe.
No Chile, a cara
do fascismo organizado é a do advogado José Antonio Kast, outro que foi mal na
eleição de 2017, quando Sebastián Piñera retornou ao governo. Como candidato
avulso, Kast teve apenas 7,9% dos votos.
Kast é um
saudosista da ditadura, adorador de torturadores e defensor da anistia para
criminosos pinochetistas condenados, se esses tiverem alguma doença associada à
velhice. Um torturador com reumatismo, por exemplo, deveria ser indultado.
O caso mais
interessante hoje talvez seja o do Uruguai, onde o general e senador Guido
Manini Rios concorreu no ano passado à presidência, pelo Cabildo Abierto, e
teve 11% dos votos. Ele é a extrema direita uruguaia.
Manini Rios,
ex-chefe do Exército do último governo da Frente Ampla, enfrenta uma situação
que seria inimaginável no Brasil: o Ministério Público tentou processá-lo por
acobertar da Justiça a confissão de assassinato de um criminoso da ditadura.
Há três semanas,
com os votos da maioria de direita, o Senado rejeitou o pedido do MP para que o
general fosse liberado, sem proteções do foro privilegiado, e ouvido em
inquérito sobre o caso.
Mas Manini Rios
continua nas manchetes, com ameaças de processo contra o promotor Rodrigo
Morosoli, que tentou enquadrá-lo.
Há no Uruguai o
ensaio do retorno de entidades extremistas, como a JUP, da juventude estudantil
pró-militares, que atuou durante a ditadura, nos anos 70 e 80. Mas o próprio
Manini Rios não quer vincular seu nome ao grupo.
Não há na
Bolívia, no Chile, na Argentina e no Uruguai, para citar apenas esses (e sem
precisar fazer referência ao bufão venezuelano Juan Guaidó) nenhum líder de
extrema de direita com chances de chegar ao poder.
Não há nada
parecido com a expressão política do bolsonarismo, nem no Equador, na Colômbia
ou no Paraguai, por mais extremado que seja o populismo de direita. Há
assemelhados, mas nunca iguais.
O que essas
constatações revelam é que nós, que tivemos gerações e gerações rindo dos
países vizinhos – como se eles fossem os atrasados e ‘inferiores’ –, somos a
verdadeira ralé política da América Latina.
Somos o único
país em que medos, mentiras, ostentação de ignorância e os ressentimentos da
classe média levaram ao poder uma família e seus generais amigos.
Bolsonaro é a
nossa jabuticaba bichada. Nenhum outro país tem um Bolsonaro, por mais que se
esforce. Aqui, pelo voto, o fascismo deu certo.
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