(Foto: KEVIN LAMARQUE)
"Qualquer que seja o resultado das próximas eleições nos
EUA, poucas serão as alterações de nossa política externa: continuaremos
caudatários dos interesses dos EUA, que jamais rejeitarão a oportunidade de
auferir o máximo de vantagens numa relação econômica e moralmente
assimétrica", escreve o ex-ministro Roberto Amaral
28 de outubro de
2020
Cientista
político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004
...
Nossa principal
parceira comercial, milhões de dólares à frente dos EUA, da Europa e do
Mercosul, a China é o maior comprador mundial de soja, a cereja do agronegócio
brasileiro, a “salvação da lavoura” de nossa raquítica balança comercial, onde,
com o recesso industrial, pesam as
exportações de matérias primas in natura, como alimentos não processados, ou
minério de ferro que exportamos para importar trilhos e lingotes de aço. A
China comprou do Brasil nada menos que
7,25 milhões de toneladas de soja no último setembro, contra 4,79 toneladas no
mesmo mês do ano passado, donde um aumento de 51%. Pois é contra esse país (e,
portanto, contra nossos interesses comerciais e estratégicos) que o governo do
capitão investe, irresponsável e impunemente, por todos os meios ao alcance de
sua demência sub-ideológica, arrastando o país à mais abjeta subserviência aos
caprichos de Trump. Com o silêncio
cúmplice dos militares, que já tiveram mais apreço aos brios nacionais.
Trata-se, porém, apenas, de um dos muitos itens de seu, e de sua jolda,
programa de desconstrução nacional, anunciado em banquete na embaixada
brasileira em Washington, ao lado do astrólogo da Virgínia e do desqualificado
Steve Bannon, na presença de nosso então embaixador que, pelo que se sabe,
embora com demissão já anunciada, e já aposentado, não teve os necessários
brios para se levantar, pôr o chapéu na cabeça e voltar para casa pegando o
metrô.
Segundo
projeções do Fundo Monetário Internacional- (consabidamente comprometido com os
interesses dos EUA), a China, na companhia da Coreia do Sul e do Vietnã (o que
indica, aos que ainda enxergam, para onde se desloca o eixo dinâmico da
economia mundial), terá, ainda neste
ano, desempenho econômico superior ao projetado para a média mundial. Enquanto
a retração esperada do PIB global é de -4,4%, e a dos EUA de -4,3%, a previsão
para a China é de um crescimento de 1,9%. Em comparação com o mesmo período do
ano passado, o PIB chinês cresceu 4,9%
no terceiro trimestre deste ano, em plena pandemia. Só para lembrar: o PIB
brasileiro em 2019 ficou em 1,1%; e, para este ano, a média das estimativas
sugere uma queda de algo em torno de 6%.
Não se registram
milagres (os “milagres econômicos” com seus desfechos dramáticos, ficaram na
história dos militares de 1964 e dos lances
de ilusionismo em que primou o ministro Delfim Neto, o “Posto Ipiranga”
da ditadura) no caso da China, mas a simples e racional adoção de estratégias
corretas, e simples, em franco contraste com o que se faz aqui, contra o país e
seu povo, sem provocar cataclismos políticos, nem insurreições. Nem grandes
protestos. Enquanto entre nós aquele posto de gasolina que faliu por falta de
combustível insiste numa política que mistura neoliberalismo e recessão, cerceia
créditos e investimentos, estimula a desindustrialização e provoca o
desemprego, e enquanto o capitão que organiza o assalto à razão investe contra
a ciência e favorece a barbárie pandêmica, os chineses estancaram os graves
efeitos da Covid-19, aumentaram o crédito, apoiaram suas empresas, investiram
em infraestrutura (donde o aumento do emprego e a circulação monetária),
apoiaram a produção industrial e as exportações, e, por óbvia consequência,
expandiram o mercado interno, com o aumento do consumo e das vendas no varejo.
Enquanto entre nós, neste vale de desesperança, o governo de Bolsonaro e de
seus generais, e do enxurro que os cerca, destrói as bases da educação nacional
e da ciência, a China investe em educação, ciência, tecnologia e inovação, devendo ultrapassar os
EUA em despesas com pesquisa e desenvolvimento já este ano. Para cada
engenheiro brasileiro que sai de nossas escolas a China forma 120; para cada
profissional brasileiro em ciências naturais, a China forma 150. Segundo o
Instituto Nacional de Política de Ciência e Tecnologia do Japão a China liderou o ranking de publicação de
artigos acadêmicos no campo das ciências naturais no período 2016-2018, com
305.927 artigos, seguida dos EUA, com 281.487, e a Alemanha com 67.041. Por
outro lado, a proposta orçamentária do capitão e do Sr. Guedes para 2021
pretende cortar R$ 1 bilhão dos recursos destinados às universidades federais
brasileiras.
Em entrevista ao
Estadão (25/10/2020) Graham Alisson, autor de A caminho da guerra, nos traz
dados sobre o novo mundo que se está construindo, cuja realidade os atuais
governantes (até quando?) se negam conhecer. “A participação dos EUA no PIB
global – diz Alisson – diminuiu de metade em 1950 para um quarto no fim da
guerra fria em 1991; é um sétimo hoje e está em trajetória para ser um décimo
em meados do século”. Complementarmente, estudos da agência de classificação de
risco Austin Rating, encomendados pelo Broadcast/Estadão (“Pandemia deve
reforçar poder chinês na economia”, Estadão, 25/10/2020,) estimam que até 2028,
a China será a maior economia do mundo, superando a centenária liderança dos
EUA.
A rivalidade
China (emergente) versus EUA (em descenso mais ainda e por muito tempo
poderosíssimo) acirrará a guerra comercial que já patrocinam, e o mundo se dê
por muito satisfeito se esse for o limite da rivalidade. Enquanto esses forem
os termos, há muito a ganhar com a
hipótese de duas locomotivas econômicas. O crescimento da China não interessa
apenas ao entorno asiático onde aprofunda sua influência, mas chegará a todo o
mundo, beneficiará países exportadores de commodities, como o Brasil (se este
adotar uma política comercial digna do nome), e igualmente beneficiará países
industrializados como a Alemanha, de onde importa máquinas agrícolas. Mas quais
benefícios podem decorrer da atual política exterior brasileira, criminosa, que
renuncia ao usufruto de vantagens óbvias, para tornar-nos satélite irrelevante,
subalterno, capacho, sem voz e sem vez, de uma das economias em conflito, e
exatamente aquela que menos nos favorece? Fossem outras as nossas instituições
– a grande mídia, o poder legislativo, o poder judiciário – e esse governo já
teria sido defenestrado, pelos seus reiterados crimes de lesa-pátria.
Qualquer que
seja o resultado das próximas eleições nos EUA, poucas serão as alterações de
nossa política externa: continuaremos caudatários dos interesses dos EUA, que
jamais rejeitarão a oportunidade, ensejada pela traição dos daqui de dentro, de
auferir o máximo de vantagens numa relação econômica e moralmente assimétrica.
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