Deltan Dallagnol e Domingos Sávio Dresch da Silveira (Foto: Ministério Público)
Em entrevista ao jornalista Joaquim de
Carvalho, o subprocurador-geral da república Domingos Sávio Dresch da Silveira,
citado em uma das escandalosas conversas de Deltan Dallagnol, se diz
envergonhado, depois de tudo o que foi divulgado, por ter dado um parecer a
favor de Deltan na instituição, onde ele entrou com apenas dois anos de formado
2 de fevereiro de 2021
Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional,
entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e
Jornalismo Social (revista Imprensa)
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O subprocurador-geral da república Domingos Sávio Dresch da Silveira,
citado em uma das escandalosas conversas de Deltan Dallagnol, disse que se
sente envergonhado por ter dado parecer no processo que garantiu ao
ex-coordenador da Lava Jato ingressar no Ministério Público Federal, em 2003.
Domingos Silveira era procurador regional no TRF-4 quando Deltan
Dallagnol recorreu de uma ação da Advocacia Geral da União que tentou anular
sua nomeação para o Ministério Público Federal. É que Deltan prestou concurso
sem atender a uma das regras do edital: ter dois anos de formação em Direito.
Filho de um procurador de justiça do Paraná aposentado, Dallagnol se
inscreveu para o concurso tão logo se formou bacharel. Passou, e começou a
trabalhar no Tribunal de Contas da União. O AGU entendeu que a posse era ilegal
e iniciou uma batalha jurídica.
Quando o caso bateu no TRF-4, o procurador regional Domingos aceitou a
tese do fato consumado e deu parecer favorável a seu recurso, aceito por meio
de duas decisões de desembargadores federais, uma de Valdemar Capeletti e outra
de Marga Inge Barth Tessler.
Nas voltas que o mundo dá, treze anos depois, já subprocurador geral da
república, Domingos foi entrevistado pela TV Globo para falar sobre os grampos
ilegais autorizados por Sergio Moro no escritório dos advogados de Lula, em
março de 2016. E criticou duramente a Lava Jato.
Os procuradores da república em Curitiba comentaram a entrevista.
Era 17 de março, às 22 horas e 21 minutos, um dia depois das
interceptações telefônicas de Lula lidas em jogral por William Bonner e Renata
Vasconcellos, quando Deltan Dallagnol postou no chat que o Jornal Nacional
havia exibido reportagem sobre o grampo no escritório de advocacia.
A procuradora Jerusa Viecili comentou:
“Tem um vídeo do Domingos!”
Sete minutos depois, Deltan Dallagnol revelou que, sem o parecer do
subprocurador-geral, ele talvez não tivesse entrado no Ministério Público
Federal.
"Domingos me ajudou a entrar no MPF (2 anos de formado). Deve estar
arrependido kkk”.
Na manhã de hoje, procurei Domingos Sávio Dresch da Silveira, um dos
mais respeitados membros do Ministério Público Federal, e ele comentou:
"Vi ontem a mensagem. Fiquei pensando e acho que a única explicação
é por eu ter dado parecer favorável, no TRF-4, no recurso no mandado de
segurança que ele interpôs para poder fazer o concurso”.
Sobre estar arrependido ou não, disse:
"Com relação a estar arrependido, depois de tudo o que foi
divulgado, estou é envergonhado.”
Na sequência das conversas, os procuradores deixam claro que têm
consciência da ilegalidade das escutas no escritório de Cristiano Zanin Martins
e Roberto Teixeira, advogados de Lula — o grampo foi em um PBX com ramais que
permitiram a interceptação de mais de 20 advogados.
Com autorização de Moro, policiais federais e procuradores tiveram a
oportunidade de saber de outros casos e também da estratégia de defesa de Lula,
o que é uma violação grave e sem precedentes no Brasil.
Não obtiveram nenhuma informação que incriminasse o ex-presidente,
porque, se a tivessem detectado, certamente seria usada na investigação, já que
o conceito de prova ilícita não era uma preocupação da Lava Jato, como fica
claro pelas conversas.
Em outros trechos, Deltan Dallagnol e Moro conversaram sobre a
colaboração informal e ilegal com autoridades da Suíça.
No dia 27 de outubro de 2016, Moro perguntou a Deltan Dallagnol,
exercendo seu papel de chefe de fato da investigação:
"Descobriu algo sobre a demora da remessa de contas da Suíça para
cá?”
Deltan respondeu:
"Estamos aguardando resposta do Stefan. Ficou público ontem que ele
deixará a promotoria, o que é ruim pq ele é mto eficiente.”
O procurador suíço citado é Stefan Lenz, apontado como o cérebro da
colaboração das autoridades daquele país com o Brasil.
A colaboração era feita à margem da lei, como ficou claro na sequência
da conversa centre Deltan e Moro, um dia depois, às 23h56:
"Autoridade Central Suíça barrou transferências e quer que façamos
pedidos de cooperação (que podem demorar até um ano para resposta). Tentaremos
reverter”.
Moro aprovou a iniciativa de Deltan Dallagnol de tentar reverter a
decisão suíça, que nada mais era do que fazer cumprir tratados internacionais
de colaboração:
"Excelente, mas muito bom mesmo.”
Segundo o jornalista Jamil Chade, do UOL, o colaborador informal da Lava
Jato Stefan Lenz já havia enviado carta a um dos membros da Lava Jato para
sugerir que ele fosse contratado como advogado pela Petrobras e fornecesse
informações relevantes que ainda não eram de conhecimento público.
No caso dos grampos ilegais no escritório de defesa de Lula, os
procuradores têm consciência de que não podiam investigar.
Um procurador comentou:
"Pessoal, a questão da empresa de Roberto Teixeira, acho q não dá
para investigar”, afirma, para em seguida sugerir vazamento à imprensa aliada,
que ele chama de “jornalistas abutres”.
O procurador é possivelmente Carlos Fernando dos Santos Lima, provável
administrador do chat, porque o nome não aparece, mas a referência a ele é dada
nas respostas:
"Temos q pensar se não é bom jogar esta informação para os
jornalistas abutres para fazer o papel deles. Com isso, vai ajudar a derrubar o
rapaz mais rapidamente”, comentou.
A empresa em questão é a que organizava palestras para Lula e que teve
como telefone provisório o número do escritório de Roberto Teixeira, que, como
advogado, abriu a empresa.
No curso da interceptação, Moro foi informado pela operadora de
telefonia que se tratava de um escritório de advocacia, que é inviolável,
conforme a lei. Mesmo assim, manteve o grampo.
No mesmo dia 17 de março de 2016, Deltan Dallagnol ordenou à equipe que
ninguém poderia vazar nada à imprensa sem falar com Carlos Fernando, que ele
chama de CF.
Nesse trecho, o coordenador da Lava Jato se refere ao ex-presidente da
República pela deficiência física que este tem — Lula perdeu o dedo mindinho da
mão esquerda em uma prensa metalúrgica:
"Caros, peço um especial favor a todos: ninguém falar com a
imprensa sem falar com CF. Especialmente em relação ao caso do 9, não pode
vazar nada, nem quanto à preparação, nem quanto ao planejamento, ou à divisão
de trabalho, sob pena de termos problemas com bsb (Brasília).
Já passava da meia-noite quando o procurador Diogo Castor de Mattos fez
um comentário, possivelmente dando a solução para a ilegalidade da escuta no
escritório de advocacia:
"Roberto Teixeira era investigado. E pronto.”
Não era, ele se tornaria alguns dias depois, quando Moro, a pedido do
MPF, quebrou uma série de sigilos bancários, entre eles o de Marisa Letícia e
de Roberto Teixeira.
O então juiz, ao que tudo indica, quis lavar a investigação e dar
legalidade tanto à interceptação do escritório quanto àquela fala de Marisa
Letícia divulgada sem nenhuma relação com fatos investigados, a do uso da
panela pelos coxinhas.
Diogo Castor de Mattos acabaria afastado da Lava Jato dois anos depois,
quando foi flagrado financiando em nome de terceiro outdoor com elogio a ele e
a seus colegas em Curitiba.
Os diálogos transcritos neste artigo fazem parte das mensagens
periciadas a pedido da defesa de Lula, depois que o ministro Ricardo
Lewandowski autorizou o acesso aos chats hackeados por Walter Delgatti Neto e
apreendidos pela Operação Spoofing.
Ontem, atendendo ao princípio da publicidade dos atos judiciais e dos
processos, Lewandowski suspendeu o sigilo das conversas entre Moro e os
procuradores e destes entre si.
As mensagens não dão margem à dúvida quanto à parcialidade do ex-juiz na
condução dos casos que envolvem Lula, bem como da falta de isenção dos
procuradores da Lava Jato.
O grupo (seria exagero se referir a eles como quadrilha?) transformou
atos judiciais em um movimento político.
O caráter político da Lava Jato fica claro quando Deltan Dallagnol,
procurando tranquilizar Andrey B. Mendonça, preocupado com a ilegalidade da
captação e divulgação da conversa entre Dilma e Lula, escreveu, também em 16 de
março de 2016:
"No mundo jurídico concordo com Vc, é relevante. Mas a questão
jurídica é filigrana dentro do contexto maior que é político.”
Na sequência, alguns procuradores postaram fotos que mostram a massa
ensandecida na avenida Paulista e em frente à Justiça Federal em Curitiba,
depois que os grampos pinçados por Moro foram divulgados pelo Jornal Nacional.
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