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O jornalismo das grandes corporações está
tão podre quanto a Lava-Jato.
11 de fevereiro de 2021
Jornalistas que cresceram na vida nos últimos anos, nas grandes
redações, construíram carreiras invejadas como repórteres e comentaristas da
Lava-Jato.
Sabe-se agora que grande parte dessa elite lavajatista pagou um custo
profissional e moral que não poderia ter pago para obter e disseminar
informações.
As luzes jogadas nos subterrâneos da operação que prosperou durante
cinco anos, sem escrúpulos e sem freios, desnudam seus protagonistas e os que
orbitavam ao redor deles.
E nenhuma outra atividade circulou com tanta desenvoltura e proximidade
em volta de Sergio Moro e de Deltan Dallagnol quanto o jornalismo da grande
imprensa.
O ministro Gilmar Mendes sintetiza o que aconteceu. Sem a blindagem da
imprensa, a Lava-Jato não teria existido. O ministro não está dizendo que a
operação não seria nada sem a cobertura da imprensa.
É mais do que isso. Mendes usa a palavra “blindagem”, que significa
proteção mesmo. A imprensa escondeu, camuflou e ignorou os desmandos da
Lava-Jato, enquanto uma competição feroz entre os jornalistas seguia em frente.
Era preciso dar o furo dos vazamentos feitos por um procurador,
antecipar uma delação, anunciar uma condenação. Os justiceiros eram
apresentados como heróis e protegidos. É o que exigiam as corporações da mídia.
A imprensa sabia que Curitiba era uma masmorra com prisões preventivas
sem fim e sabia que os acusados encarcerados (sem nenhuma condenação) eram
submetidos à exaustão para então delatar parceiros.
A imprensa sabia que Moro cometeu uma dúzia de crimes e sabia muito do
que todos sabem desde o ano passado, que o homem do MP era subordinado ao homem
do Judiciário.
Enquanto todos queriam o furo e a informação privilegiada, alguns desses
jornalistas eram conselheiros da força-tarefa.
Está gravado em mensagens que Vladimir Neto, repórter da Globo, autor de
um livro sobre Moro e filho famoso de Miriam Leitão, era consultor de
Dallagnol.
Vladimir foi convocado pela força-tarefa a opinar sobre a condução
coercitiva de Lula. Foi ele quem sugeriu a Dallagnol o tom brando de uma nota
de apoio a Sergio Moro, quando o juiz começou a ser atacado publicamente.
A Lava-Jato acionou uma síndrome clássica do jornalismo egocêntrico. Por
vaidade, alguns profissionais passaram a se sentir parte da operação, como se
integrassem aquela turma sem lei.
É o que nas guerras chamam de jornalista embarcado, aquele que vai junto
com as tropas, vestindo farda e capacete, e que quase se comporta como soldado.
Os jornalistas recrutas do lavajatismo só não usavam crachá porque seria
demais. Mas foram cúmplices das atrocidades cometidas em nome de uma guerra
contra corruptos.
Outros, além de Vladimir Neto, podem aparecer mais adiante como
colaboradores, enquanto as mensagens da #VazaJato ainda são divulgadas.
Uma das revelações mais recentes é sobre uma vizinha do advogado de Lula,
Cristiano Zanin, que agia como informante. Encantada com a missão recebida como
espiã dos vizinhos, ela mantinha Dallagnol atento até aos movimentos e às
viagens da mulher de Zanin.
Por que investigar clandestinamente a mulher do advogado? Porque a Lava-Jato
era, como alguém definiu, a Gestapo do sistema de Justiça, envolvendo MP e
Judiciário num esquema em que tudo era válido.
Os órgãos corregedores, o Supremo, a OAB e a imprensa sabiam o que o
núcleo do lavajatismo fazia com crueldade, por se considerar autônomo e impune.
Todos calaram ou fingiram que reagiam, mas sem forças.
O Supremo, ao determinar que as mensagens com os acertos ilegais entre
procurador e juiz não podem ser secretas, começa a se redimir, mesmo que
tardiamente.
O STF foi, nos cinco anos da operação, quase subserviente e medroso
diante o poder de Sergio Moro, que não poderia ser contrariado.
A imprensa, em algum momento, terá de fazer o mesmo e admitir que foi
decisiva na blindagem da República de Curitiba.
As grandes corporações ofereceram propaganda e serviço de segurança a
Moro e Dallagnol.
O procurador e o juiz só avançaram sem medo porque eram protegidos pelas
empresas, por repórteres, editores e comentaristas.
É enganoso pensar que, durante a existência da força-tarefa, os jornais
fizeram investigação. Não fizeram.
Comeram pela mão dos chefes da operação e agora estão expostos tanto
quanto os justiceiros desmontados pela Vaza Jato. O fim do lavajatismo derruba
as máscaras de um jornalismo decadente.
O Brasil precisa reinventar suas instituições, a partir do que se sabe
sobre os desmandos da Lava-Jato, o golpe de 2016 e os crimes do governo
fascista que apostou na violência, no ódio e na morte.
O jornalismo tradicional terá de pegar carona nessas reinvenções. Se
fosse um açougue, a grande imprensa seria hoje vendedora apenas de retalhos e
pelancas tomadas pelas moscas varejeiras.
O jornalismo das grandes corporações está tão podre quanto a Lava-Jato.
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