José Cruz/EBC
As chamadas reformas propostas pelo governo
não têm capacidade de promover o crescimento econômico, ao contrário, devem
aprofundar desigualdades e retirar direitos. Economista fala sobre os possíveis
caminhos para a retomada
Por Glauco Faria | 08/02/2021
Brasil precisa reformar legislações referentes a diversos setores da
economia. O problema é o tipo de proposta que o governo traz
“Em face da crise brasileira e
sua resiliência, somente o Estado é capaz de levar adiante um conjunto de
políticas anticíclicas que não apenas atuem sobre o nível de atividade
econômica, senão que proteja os mais vulneráveis da dinâmica recessiva.” Esta é
uma das conclusões do documento A economia brasileira na berlinda da crise da
Covid-19: balanço e perspectivas para 2021, publicado nesta semana pelo
Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE).
Elaborada pelos economistas Juliane Furno, Daniel Fogo, Lígia Toneto e
Matias Rebello Cardomingo, a análise, mesmo sem a totalidade dos dados anuais
referentes à economia brasileira, faz um balanço do cenário de 2020 e traz
perspectivas para este ano. Que não são boas, caso o governo cumpra aquilo que
tem estabelecido como agenda na área.
A pandemia chegou ao Brasil em um período no qual o país ainda se
encontrava em uma situação de semi-estagnação econômica, com uma recuperação
lenta e insuficiente da crise de 2015-1016. A lógica da austeridade fiscal que
norteou as políticas públicas no últimos anos não só foi incapaz de promover o
crescimento e o equilíbrio fiscal, como aprofundou ainda mais as desigualdades
sociais.
Agora, a aposta do governo Bolsonaro é nas chamadas reformas, que contam
com apoio expressivo de parte da mídia tradicional. Um cronograma da votação já
estaria acertado para a votação das principais propostas de interesse da equipe
econômica, segundo declarou na quinta-feira (4) o presidente da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira (PP-AL). “O governo está com tudo programado, já tem a receita de
como combater os efeitos da pandemia. Mas estamos absolutamente sintonizados
com o Ministério da Fazenda, com o governo federal, com a pauta das reformas”,
disse.
“As reformas, que se tornaram um mantra, sozinhas têm muito pouca
eficácia. Esse discurso que apela para a aprovação das reformas estruturais,
dissociado de um plano de retomada do crescimento econômico que passe sobretudo
pela política fiscal, é um passo para o fracasso. Inclusive empiricamente já
pudemos comprovar como foram outras reformas, como a previdenciária, a
trabalhista e a Lei do Teto de Gastos, que encarnaram por um certo tempo essa
possibilidade de recolocar o Brasil no trilho do crescimento econômico e se
mostraram fracassadas”, avalia a mestre e doutora em desenvolvimento econômico
na Unicamp, também economista-chefe do IREE Juliane Furno à RBA.
E não é que o Brasil não precise reformar legislações referentes a
diversos setores da economia. O problema é o tipo de proposta que o governo
traz. “Obviamente a reforma tributária teria um componente mais propositivo,
com uma ligação mais direta com a questão do crescimento econômico, mas não a
reforma que está na Câmara e no Senado. Ao mesmo tempo em que ela tem que
cumprir com aqueles requisitos de simplificação e unificação de tributos,
acabar com litígios na Justiça e burocracia no recolhimento tributário, ela não
vai garantir eficiência de fato e crescimento econômico se não for também
redistributiva”, pontua Juliane.
Neste aspecto, uma reestruturação tributária que atacasse o caráter
regressivo do sistema brasileiro, que tributa mais o consumo do que a renda e o
patrimônio, poderia ser um estímulo para a economia. “Precisamos agora que as
pessoas consumam, o consumo é um elemento importante do PIB. Se a renda das
pessoas puder aumentar, se parte do que elas gastam em tributo indireto e mesmo
direto, pela correção da alíquota do IR, ficar no bolso do trabalhador, abre-se
a possibilidade para que ele consuma mais e isso pode dinamizar a economia.
Além de cumprir com requisitos importantes para a justiça social, que é
reformar a regressividade do sistema tributário.”
A questão do emprego no Brasil
O documento elaborado pelo IREE ressalta ainda que o país sofre com
problemas estruturais típicos de economias subdesenvolvidas, o que traz
desafios muito superiores aos dos países mais ricos. Um deles diz respeito ao
mercado de trabalho. “Em 2017, pela primeira vez na história, o número de
trabalho informais superou o de trabalhadores formais no mercado de trabalho
brasileiro. Além disso, ingressamos na crise do coronavírus com um grande e
resiliente contingente de trabalhadores desempregados e subutilizados”, diz o
texto.
Mais uma vez trata-se de uma questão que já era grave antes da pandemia.
“A taxa de desemprego se estabilizou em um patamar relativamente elevado desde
de 2015, variando entre 11% e 13% de desocupação. Além do desemprego, avançavam
a passos céleres, novas modalidades de trabalho desconectadas do regime
celetista de trabalho, com impactos importantes na proteção social e na
cobertura dos direitos trabalhistas e previdenciários”, destaca a análise.
O documento traz dados do IBGE mostrando que apenas 46,8% das pessoas
estavam exercendo atividades remuneradas no 4º trimestre de 2020. E é preciso
levar em conta que a taxa de desemprego, em meio à pandemia, se tornou um
indicador que não dá conta de ilustrar as reais condições do mercado de
trabalho, já que só aparece como desempregado nas estatísticas quem
efetivamente procurou emprego na semana analisada.
“O problema do emprego vai ser a maior herança dessa pandemia e da forma
pouco eficiente – fazendo um eufemismo – com que o governo Bolsonaro e a equipe
econômica trataram a questão de salvar vidas e a economia. A crise do
coronavírus atingiu principalmente o setor informal, que já tinha superado o
número de trabalhadores formais no Brasil desde 2017, adicionando-se ainda os
trabalhadores do setor privado sem carteira e os por conta própria que não tem
CNPJ, categorias de emprego informal disfarçadas”, detalha Juliane. “Vai ser
urgente constituir um plano emergencial de curto e médio prazo para recuperar
os postos de emprego perdidos e preservar os que seguem na berlinda.”
A economista destaca a importância de se discutir um apoio eficaz a
pequenas e médias empresas, a formulação de benefícios tributários e de
créditos com contrapartida de não demissão de trabalhadores, além de um plano
de médio e longo prazo e médio prazo que reestruture a economia brasileira e
recoloque no rumo do crescimento, que é, fundamentalmente, o que pode gerar
empregos.
Caminhos da retomada
O avanço da imunização contra a covid-19 pode fomentar as relações
comerciais no cenário global e beneficiar o país do ponto de vista econômico.
“Como possível facilitador da retomada, o comércio externo pode exercer
influência positiva sobre o desempenho da economia brasileira em 2021. A
vacinação em massa nas principais economias mundiais tem o potencial de criar
espaço para uma aceleração da atividade global, podendo impulsionar a economia
brasileira tanto pela possível retomada e intensificação dos fluxos de capitais
e investimentos externo nos países emergentes, quanto pela expansão da demanda mundial”,
diz o documento.
Mesmo com um cenário externo que pode se mostrar favorável, o governo
terá que mostrar capacidade diplomática para ampliar as possibilidades no
âmbito comercial. “Sobretudo a demanda chinesa – já em aceleração nos últimos
trimestres de 2020 – pode ser o motor de um boom de commodities, podendo
exercer forte estímulos sobre as exportações brasileira. A capacidade de
aproveito de um possível cenário externo favorável, no entanto, dependerá da
capacidade de articulação política e da política externa do governo brasileiro,
que não tem demonstrado essa habilidade com relação ao nosso principal parceiro
comercial.”
Além disso, a pauta das reformas tem que ser outra. Juliane Furno
critica especialmente a administrativa. “O desenho da reforma administrativa
parece ser só um desmonte do Estado e do funcionalismo público. O que ela prevê
em aumento da arrecadação com os cortes de direitos é um valor muito baixo e
hoje o Estado não tem só um problema fiscal, mas sobretudo um problema de ação.
Só aumentar o dinheiro disponível nos cofres públicos não significa uma boa
alocação desses recursos.”
“A prioridade teria que ser aprovar um conjunto de reformas, mas não
estas que aprofundam a desigualdade e a retirada de direitos, que reduzem o
poder de compra do trabalhador. No curto prazo, o Estado tem que levar adiante
o gasto público, mesmo o gasto deficitário, de endividamento, porque ele tem o
poder multiplicador fiscal substantivo. Ou seja, o gasto do governo no curto
prazo se reverte em maior crescimento do PIB, logo, implica em uma redução da
dívida pública no médio e longo prazo. Neste momento é importante salvar vidas,
retomar o auxílio emergencial, garantir que as pessoas possam cumprir ainda o
mínimo de isolamento possível para conter a propagação do vírus.”
Para a economista, há outras reestruturações que precisariam ser
discutidas e seriam essenciais para o país voltar a ter um crescimento
sustentável e que não aprofunde a desigualdade, junto com uma necessária
flexibilização do Teto de Gastos. “Seria necessário um conjunto de reformas
mais estruturais, como uma reforma urbana que modifique a forma como as pessoas
se relacionam com a cidade (ou não se relacionam com a cidade…) e a reforma
agrária que até hoje tem sido bastante travada e tem um potencial de
fornecimento de alimentos, de rebaixar um dos custos salariais que é o custo da
reprodução física via alimento. E também a reforma tributária, que reduz
desigualdades sociais e abre espaço fiscal para o Estado. Um conjunto de
reformas estruturais que sejam concatenadas com um plano de retomada do
crescimento econômico que passa pela distribuição de renda e por uma
reindustrialização brasileira no caminho dos novos setores com maior agregação
de valor tecnológico.”
0 comments:
[ Deixe-nos seu Comentário ]
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor