05 de Abril de 2021
Reinaldo Azevedo é colunista do UOL
. . .
Então vamos falar a sério sobre cristianismo?
Que gente é essa que quer lotar as igrejas e mandar Paulo, o Apóstolo,
plantar batatas? Com a devida vênia, podem estar seguindo qualquer outro livro,
não a Bíblia. E isso inclui Kássio Conká — que também ignora a Constituição
nesse caso.
Sim, igreja também é um negócio. Qualquer uma. Algumas são negócios
disfarçados de igreja. São mais dissimuladas do que o capeta. Todas têm de ter
contabilidade. Entra dinheiro, sai dinheiro. E muito! Por isso, diga-se, o
Vaticano tem um banco, conhecido pelo eufemístico nome de "Instituto para
as Obras de Religião". Um dos grandes escândalos financeiros da história
se deu nas relações impróprias entre o Instituto e o Banco Ambrosiano.
Pesquisem.
É claro que também o lucro das igrejas caiu bastante. Não basta a
algumas gozar de isenções tributárias sob o pretexto de que realizam obras
sociais. O argumento teria alguma legitimidade não fossem seus próceres
notáveis multimilionários. Tudo o que não se vai encontrar nesse ambiente de
hiperconcorrência religiosa são candidatos a São Francisco de Assis, que mal
tinha de seu a própria roupa. Sua doutrina tinha lá suas particularidades, mas
havia sinceridade.
Vá lá. O mercado da fé está aí. Vai quem quer. Alguma compensação as
pessoas encontram nesses eventos. E não pretendo ser juiz da consciência
religiosa de ninguém. O ponto é outro. Se igrejas, sob o pretexto de exercer um
direito constitucional e de garanti-lo a seus fiéis põem em risco a segurança
da coletividade, não estamos mais no terreno religioso. Eis o ponto.
Aglomerar-se em templos não ameaça apenas a saúde daqueles que fazem
essa escolha. Essas pessoas sairão dos templos e usarão, depois, transporte
público. Parte considerável delas trabalha em companhia de outras pessoas.
Tornam-se potenciais agentes espalhadores de vírus. Se, na sua concepção, Deus
as protege em razão de sua fé, Ele fará o mesmo com os que se tornam sócios
involuntários da sua crença perigosa?
Com a devida vênia, um Deus que cobra que as pessoas coloquem a sua
própria vida e a de terceiros em risco não é Deus.
Ademais, o que essa gente fez das palavras de Paulo em I Coríntios,
3:16-17 -- e aproveito para passar a informação a Kássio Conká. Se a
Constituição não lhe cai bem, quem sabe a Bíblia. Lá está escrito:
"Não sabeis vós que sois templo de Deus e que o espírito de Deus
mora em vós? Se alguém, pois, violar o corpo de Deus, Deus o destruirá. Porque
o templo de Deus, que sois vós, santo é".
É uma das heranças do judaísmo que sobreviveu no cristianismo — razão
por que as duas religiões abominam, por exemplo, o suicídio. Arriscar a própria
vida implica agredir o templo de Deus, segundo o que está em Paulo. E o templo
verdadeiro não é um edifício, mas o corpo do homem, que é também o corpo de
Deus.
No culto deste domingo, numa igreja lotada, o pastor Valdemiro Santiago,
da Igreja Mundial do Poder de Deus, afirmou sobre a decisão de Kássio Conká:
"Foi determinado por um ministro que as igrejas voltassem a
ministrar culto. Mas o mérito não é do ministro, é de Deus".
Entre Valdemiro e Paulo, fico com Paulo.
Não foi, não, pastor!
Deus jamais autorizaria que seu templo fosse exposto a tal perigo. E
para quê? Por nada! Afinal, a onipresença de Deus não cobra a presença do
vírus.
Mantenho a campanha para salvar vidas: "Não pisque para o demônio!
Pix para Deus".
Não creio nesse Deus das trocas comerciais, é claro! Mas há quem creia.
Nada se pode fazer. Que ao menos não morram e não matem por isso.
Leia a Bíblia, Kássio Conká.
Ou melhor: leia, Kássio Conká!
Ontem eu lhe recomendei Machado de Assis, lembra?
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