6 de Setembro de 2021
Volto a me aventurar pelo campo minado das previsões econômicas e
políticas. As dificuldades são notórias. Há um ditado, célebre em Wall
Street:If you have to forecast, do it often (Se você tem que fazer previsões,
faça-as com frequência). Em política, as previsões são ainda mais temerárias.
Por que fazê-las então? Não é difícil de entender. As decisões de hoje dependem
criticamente da visão que se tem do futuro, por mais turva, por mais incerta.
Todos tentam, com maior ou menor critério e sucesso.
Vamos lá então. É impressionante, leitor, como mudou o quadro
prospectivo brasileiro em apenas dois ou três meses. Tanto para a economia como
para a política, com a modificação das perspectivas políticas refletindo em
parte a deterioração do horizonte econômico para o que resta de 2021 e para
2022. A decadência do governo federal se tornou mais evidente.
A economia continua se recuperando em alguma medida, é verdade. O nível
da atividade vem aumentando, com efeitos positivos sobre a arrecadação
tributária. Um crescimento do PIB da ordem de 5% parece factível em 2021,
embora se deva ressaltar que a estatística interanual inclui um carry-over
expressivo, como já comentei em artigos anteriores. Na margem, isto é, quarto
trimestre de 2021 contra quarto trimestre de 2020, a taxa de crescimento será
consideravelmente menor. O aumento do PIB ao longo do ano será pouco
significativo, próximo de zero em termos per capita.
O ritmo de expansão econômica em curso não é suficiente para melhorar de
forma expressiva o mercado de trabalho. O total de desempregados ficou em 14,4
milhões no segundo trimestre, segundo o IBGE. A taxa de desocupação (desemprego
aberto) foi 14,1%, acusando alguma diminuição em relação ao recorde do primeiro
trimestre. O nível de emprego cresceu, mas o seu efeito sobre a taxa de
desemprego é neutralizado em parte pelo aumento da taxa de participação
(definida como a relação entre população ativa – empregada ou desempregada em
busca de trabalho – e a população em idade de trabalhar). O aumento da taxa de
participação se deve, por sua vez, ao arrefecimento da pandemia e, também, à
recuperação da economia, que aumenta as chances de que a busca de emprego possa
ser bem-sucedida.
Por outro lado, muitos do que têm empregos estão no setor informal
(40,6%) ou subempregados. A subocupação – o desemprego por insuficiência de
horas trabalhadas – alcançou o recorde de 7,5 milhões de pessoas. São pessoas
que gostariam de trabalhar mais horas do que conseguem atualmente. Os
desempregados por desalento, isto é, aqueles que estariam interessados em
trabalhar, mas abandonaram a busca por não acreditar na possibilidade de obter
emprego, chegaram a 5,6 milhões. Consideradas as três formas de desemprego –
aberto, por insuficiência de horas trabalhadas e por desalento – o total de
desempregados ou subempregados alcança nada menos que 27,5 milhões no segundo
trimestre. Uma tragédia, em suma.
O que vem acontecendo em termos de atividade econômica e mercado de
trabalho nos meses recentes está mais ou menos dentro do esperado. Houve,
porém, surpresas muito negativas em outras áreas. Refiro-me à inflação mais
alta e persistente e à crise hídrica e energética. A primeira é causada, em
parte, pelos aumentos de preços da energia elétrica decorrentes da estiagem e
do esvaziamento dos reservatórios. É verdade que a inflação e a questão
energética já estavam presentes como preocupações há alguns meses. Mas o
governo e os agentes privados foram pegos de surpresa pelo agravamento desses
problemas. Ficou claro que existe risco de racionamento de energia, ainda que o
governo insista em negá-lo.
O Banco Central corre atrás do prejuízo e procura recuperar o controle
sobre a inflação, intensificando o aperto monetário e elevando mais rapidamente
a taxa básica de juro. Isso deve arrefecer a taxa de inflação com alguma
defasagem, mas ao preço de derrubar a taxa de crescimento do PIB para menos de
2% em 2021. Ao longo deste ano, a inflação vem corroendo o salário real,
somando-se ao desemprego elevado, para reduzir a massa salarial e dificultar a
retomada do consumo.
Para completar o quadro de dificuldades, o início do segundo semestre
veio trazer sinais de deterioração do contexto econômico internacional, que
vinha sendo um dos fatores a impulsionar a recuperação da economia brasileira.
A disseminação da variante delta em várias partes do mundo mostrou que a
pandemia está longe do fim, motivando revisões para baixo das projeções de
crescimento econômico da China, dos Estados Unidos e de outros países
importantes. Além de apontar para um ambiente menos favorável para a economia
brasileira, as notícias da pandemia no exterior alimentaram também a percepção
de que o Brasil ainda tem muitos riscos pela frente no enfrentamento da crise
de saúde pública.
Por todos esses motivos, esvaiu-se a expectativa de que a economia
poderia se constituir em trunfo importante para Bolsonaro na sua busca da
reeleição. O que parecia plausível e até provável para alguns – a recuperação
do governo graças ao fator econômico e ao avanço da vacinação – ficou bem mais
distante. Quem contava com isso já pôs as barbas de molho. Tanto mais que o
governo dá demonstrações seguidas de inépcia e fraqueza na condução da política
econômica e das suas pautas no Congresso. Os tumultos em torno da reforma do
Imposto de Renda, da questão dos precatórios e da ampliação do Bolsa Família,
por exemplo, consolidaram a percepção de que o governo perdeu o rumo.
Cada vez mais isolado, Bolsonaro pode até nem chegar ao fim do seu
mandato. A terceira via já percebeu há algum tempo que só é viável. Caso consiga
sobreviver, o mais provável é o presidente da República que chegue na eleição
desgastado e desmoralizado. É o que se pode esperar com base nas informações
que temos.
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