Raphael Ribeiro/BCB
Mais do que os conflitos de interesse de
Paulo Guedes e Campos Neto, Pandora Papers revelam que a elite financeira é
quem define as regras do jogo em seu próprio benefício, aponta o economista
Pedro Rossi (Unicamp)
6 de Setembro de 2021
São Paulo – De acordo com o economista Pedro Rossi, professor do
Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), são óbvios os
conflitos de interesse envolvendo a atuação do ministro da Economia, Paulo
Guedes, e do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Ambos foram
flagrados nos Panamá Papers como detentores de empresas offshore em paraísos
fiscais, com milhões de dólares investidos. Trata-se dos principais
responsáveis pela definição das políticas fiscal e monetária do país, podendo
auferir lucros com suas próprias decisões. Mas muito mais do que os benefícios
pessoais, o economista chama a atenção para um problema de ordem sistêmica.
Segundo Rossi, o governo Bolsonaro, com Guedes e Campos Neto à frente,
vem conduzindo o maior processo de liberalização financeira da história recente
no Brasil. E ele destaca que esta “agenda silenciosa”, que vai na contramão dos
interesses nacionais, é levada adiante pelos mesmos agentes que fazer parte
dessa elite.
“Quem está conduzindo esse processo são justamente os interessados,
aqueles que fazem parte de uma plutocracia financeira que tem milhões em
offshores”, disse Rossi, em entrevista a Glauco Faria, para o Jornal Brasil
Atual, nesta terça-feira (5).
“O principal significado econômico do Pandora Papers é revelar que a
elite financeira – a ‘plutocracia’ financeira – está gerindo a nossa política
econômica, empreendendo uma agenda de liberalização financeira em benefício
próprio. Muito mais do que um problema individual de Guedes ou Roberto Campos,
este é um problema sistêmico”, afirmou o economista.
Agenda silenciosa
Como exemplo dessas mudanças que atendem aos interesses da elite
financeira, Rossi cita decisão recente do Conselho Monetário Nacional (CNM). Na
semana passada, o CMN autorizou medida que facilita operações de derivativos
com empresas offshore. “Ou seja, podem fazer qualquer operação meramente
especulativa a descoberto, sem ativos subjacentes”, destaca o economista.
Mecanismos de desregulamentação como este estão nas origens da crise financeira
mundial de 2008.
Anteriormente, o CMN também havia abolido a necessidade de serem
comunicadas ao Banco Central operações de remessa ao exterior envolvendo
valores inferiores a US$ 1 milhão. Outro exemplo de medida que beneficia os
especuladores que mantêm recursos em paraísos fiscais.
Nesse sentido, Rossi cita inclusive a própria autonomia do BC, aprovada
pelo Congresso Nacional no início do ano. Ele destaca que a pressão foi tamanha
que essa pauta acabou “furando a fila” de outras medidas mais importantes. A
aprovação ocorreu ainda antes da extensão do auxílio emergencial e, até mesmo,
da aprovação do orçamento de 2021.
No caso das normas infralegais decididas pelo CMN, a situação é ainda
mais grave, segundo o economista, pois faltam participação democrática e
transparência nessas decisões. Apenas três indivíduos – Guedes, Campos Neto e
por Bruno Funchal, que é secretário especial de Fazenda do Ministério da
Economia – deliberam a portas fechadas.
Contra o interesse nacional
Legislando em benefício próprio, estes agentes atentam contra os
interesses nacionais. Ao liberalizarem os fluxos de capitais, aumentam a
vulnerabilidade do país diante de choques externos. Rossi afirma que, na época
da crise de 2008, o sistema financeiro brasileiro estava mais protegido do que
agora.
“O avanço desta agenda faz com que fiquemos mais vulneráveis a crises
financeiras lá fora. E mais vulneráveis do ponto de vista macroeconômico, com
volatividade cambial, fuga de capitais etc. Ou seja, essa elite financeira
desestabiliza o país simplesmente colocando seus recursos lá fora, gerando
crises cambiais”. Em situações como esta, o real se desvaloriza frente ao
dólar. Uma das implicações diretas é o aumento da inflação, que impacta
negativamente o conjunto da população brasileira, em especial os mais pobres.
“O que a democracia, a população e o Estado podem fazer em relação a
isso? Regular”, sugere o economista. “É isso que deve ser feito. E o que está
sendo feito por Guedes e Campos Neto, que são representantes dessa plutocracia,
é desregulamentar ainda mais. Tirando as amarras e dando ainda mais poder,
liberdade e rentabilidade a esses agentes”.
Silêncio da mídia
É o poder dessa elite plutocrata que comanda esse processo de
liberalização que a imprensa tradicional tenta disfarçar. Por isso, segundo
Rossi, é que a participação de Guedes e Campos Neto nos Pandora Papers foi
praticamente escondida dos principais jornais. Ou, quando noticiaram, fizeram
questão de apontar que não existe nenhuma ilegalidade nesse tipo de
instrumento, que é utilizado principalmente para fugir da cobrança de impostos.
“É isso que a imprensa está ocultando. Porque é essa mesma elite que dá
as cartas na própria imprensa. É evidente que não está correto. A gente tem um
ministro da Economia que coloca dinheiro em paraíso fiscal. E provavelmente
movimentou esse dinheiro”, disse ele.
“É evidente que há conflito de interesse. Isso nem deveria ser alvo de
discussão. Mas o problema é muito mais profundo, é uma agenda econômica em
benefício deles mesmos que está sendo conduzida, em benefício dessa elite
plutocrática que movimenta seus recursos pelo mundo, em paraísos fiscais e
offshore. E esses dois personagens estão conduzindo essa política”,
acrescentou.
Na contramão do mundo
Organizador do livro Economia pós-pandemia: desmontando os mitos da
austeridade fiscal e construindo um novo paradigma econômico no Brasil (Ed.
Autonomia Literária), Rossi afirma que essa agenda de liberalização econômica
levada a cabo no Brasil está em descompasso com as ideias discutidas, e também
postas em prática, ao redor do mundo. Desde a crise de 2008, e principalmente
em função da pandemia, a regulamentação financeira e a participação do Estado
como indutor do desenvolvimento econômico ganharam novo fôlego. Segundo ele, “a
austeridade fiscal foi enterrada no debate internacional”.
Ele citou os três pacotes de estímulo anunciados pelo presidente dos
Estados Unidos, Joe Biden, que, juntos, somam US$ 6 trilhões em investimentos.
Na mesma linha, a União Europeia também vem implementando um plano de
recuperação econômica de € 750 bilhões. Essas ações buscam estimular a criação
de empregos no pós-pandemia, além de estimular a transição para fontes de
energias renováveis, como forma de conter as mudanças climáticas.
Tanto os Estados Unidos como os países europeus propõem elevar impostos
sobre os mais ricos, como forma de financiar os investimentos públicos. Por
aqui, a plutocracia se previne de eventuais efeitos como este, enviando seus
dólares para paraísos fiscais.
“E o que estamos discutindo no Brasil? Nada em relação a emprego ou
plano de recuperação. Na cabeça dos nossos líderes da política econômica, é o
mercado que vai conduzir o processo. Não há nada na direção de um plano de
recuperação. Pelo contrário. O que há é uma política econômica que vira as
costas para o desemprego e para a recuperação econômica”, ressaltou. Rossi
vaticina, no entanto, que essas políticas não se sustentam no longo prazo.
“Vamos ter que discutir uma transformação profunda na economia brasileira”,
conclui.
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