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Jornal que fez campanha pelo golpe de 2016
não publicou uma única linha sobre as contas milionárias das autoridades
econômicas do Brasil
4 de outubro de 2021
O jornal O Globo, que fez campanha pelo golpe de estado contra a
ex-presidente Dilma Rousseff, abraçando a bandeira do "combate à
corrupção", e também pela prisão política do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, demonstrou nesta segunda-feira, de forma cabal, que é parceiro
da grande corrupção, ao ignorar completamente o escândalo das contas em
paraísos fiscais mantidas pelas duas maiores autoridades econômicas do Brasil:
o ministro Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Mesmo com a revelação de que os dois usam contas offshore, que servem para
ocultar recursos e sonegar impostos, e que lucraram com a alta do dólar,
enquanto brasileiros sofrem com inflação alta, fome e gasolina cara, o jornal O
Globo não publicou uma única linha – NADA, ABSOLUTAMENTE NADA – sobre o que em
qualquer lugar do mundo seria um dos maiores escândalos da história. Ou seja: O
Globo é parceiro da grande corrupção. Abaixo, a reportagem da Agência Pública:
Da Agência Pública – No dia 24 de setembro de 2014, com o mercado
financeiro cada vez mais agitado diante da iminência da reeleição de Dilma
Rousseff (PT), o Banco Central interveio para conter a alta do dólar. No dia
seguinte, o economista Paulo Guedes, então sócio da gestora de recursos Bozano
Investimentos, tomou uma providência para manter parte da sua fortuna longe das
turbulências da economia brasileira: fundou a Dreadnoughts International, uma
offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe. Nos meses
seguintes, Guedes aportou na conta da offshore, aberta numa agência do banco
Crédit Suisse, em Nova York, a quantia de 9,55 milhões de dólares, o
equivalente a 23 milhões de reais na época (no câmbio atual, o valor hoje
corresponde a 50 milhões de reais).
A abertura de uma offshore ou de contas no exterior não é ilegal, desde
que o saldo mantido lá fora seja declarado à Receita Federal e ao Banco
Central. Mas, no caso de servidores públicos, a situação é diferente. O artigo
5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal, instituído em 2000,
proíbe funcionários do alto escalão de manter aplicações financeiras, no Brasil
ou no exterior, passíveis de ser afetadas por políticas governamentais. A
proibição não se refere a toda e qualquer política oficial, mas apenas àquelas
sobre as quais “a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão
do cargo ou função”. Em janeiro de 2019, cinco anos depois de abrir a offshore
e depositar 9,55 milhões de dólares, Guedes virou o principal fiador do governo
Bolsonaro e assumiu o cargo de ministro da Economia, sob cuja responsabilidade
está um enorme leque de decisões capazes de afetar seus próprios investimentos
no exterior.
As penas para quem infringe o artigo 5º variam de uma simples
advertência à recomendação de demissão. O ministro disse à piauí que, assim que
assumiu o ministério em janeiro de 2019, ele informou à Comissão de Ética
Pública, encarregada de julgar possíveis infrações ao código, sobre seus
investimentos externos. A Comissão de Ética, no entanto, só julgou o caso em
julho passado. Não viu nenhuma irregularidade e decidiu arquivar o caso. A
piauí pediu ao órgão a justificativa da decisão, mas recebeu como resposta que
as informações contidas nos julgamentos são sigilosas “em face dos dados
sensíveis que delas constam – inclusive fiscais e bancários”.
Desde o início da gestão Bolsonaro, a Comissão de Ética de Pública tem
sido criticada por ser leniente com comportamentos antiéticos por parte da
cúpula do governo. Em maio de 2020, o conselheiro Erick Vidigal pediu demissão
e divulgou uma carta com fortes críticas ao órgão. “Eu não entrei na Comissão
de Ética para bater palma para governantes indecentes ou para perseguir
desafetos do governo”, escreveu. Em 2019, último ano em que a comissão divulgou
dados, apenas um servidor fora punido – com pena de advertência –, contra seis
no ano anterior e 17 em 2017. “A comissão só trabalha de verdade na análise das
quarentenas e em alguns casos de conflito de interesses. Quanto aos desvios
éticos, adoram colocar panos quentes, especialmente quando se trata de
ministros de Estado”, critica um ex-membro do órgão, que não quis se
identificar para não se indispor com os atuais conselheiros.
A proposta de reforma tributária apresentada pelo governo ao Congresso
Nacional é um exemplo de conflito de interesses. Por sugestão da Receita
Federal, o projeto original da reforma previa a taxação de ganhos de capital no
exterior, incluindo investimentos em paraísos fiscais – situação que, sabe-se
agora, atingia o ministro Guedes. A ideia, no entanto, acabou derrubada com a
anuência do Ministério da Economia. Outro item da reforma, negociado e aprovado
pela equipe econômica, reduz drasticamente a taxação sobre a repatriação de
recursos. Hoje, a taxa não é um consenso, e sempre rende discussões judiciais,
mas varia de 15% a 27,5%, a depender do volume de recursos. Pela proposta do
governo, a alíquota, se aprovada, cairá para 6%.
Curiosamente, a tributação sobre ganhos de capital no exterior –
incluindo os paraísos fiscais – é uma medida defendida pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o chamado “clube dos ricos” ao
qual o governo brasileiro tem se empenhado em aderir. O próprio Guedes faz
lobby para que o Brasil seja aceito no clube. Os países membros da OCDE não são
obrigados a adotar a taxação, mas a organização a recomenda desde 2014, como
uma forma de coibir a evasão de divisas e, também, de reduzir a desigualdade
social: se a parcela mais rica da população consegue driblar os impostos, quem
não tem acesso às mesmas ferramentas acaba pagando mais taxas, o que causa a
erosão da base tributária. O Brasil, no entanto, resiste em implementar a
cobrança – como se viu, mais uma vez, na proposta de reforma tributária de
agora.
É possível que Guedes estivesse envolvido nas negociações da reforma
tributária com as melhores das intenções. Se tivesse se afastado da
administração de seus recursos, não haveria qualquer sombra em torno de sua
integridade. É para evitar esse tipo de suspeita que o Código de Conduta foi
elaborado. Mas, como Guedes preferiu outro caminho, a notícia da existência de
sua offshore acaba deixando no ar a dúvida se, no cumprimento de suas tarefas
como ministro, ele está colocando seus interesses pessoais à frente dos
interesses do país.
Examinando-se a montanha de documentos, descobre-se que o ministro
Guedes está na companhia de ministros da Economia de outros três países: Gana,
Cazaquistão e Paquistão. Eles também comandam as políticas econômicas de seus
países, ao mesmo tempo em que mantêm recursos em paraísos fiscais, protegidos
das intempéries econômicas internas. Em países desenvolvidos, uma notícia desse
quilate costuma ter efeito explosivo. Em 2016, o escândalo dos Panama Papers,
que revelou dados financeiros de milhares de offshores, pulverizou a carreira política do então
primeiro-ministro David Cameron, do Reino Unido, ao revelar que ele era
acionista de uma offshore criada por seu pai no Panamá. Cameron declarara o
negócio à Receita inglesa, como manda a lei, mas a opinião pública não o
perdoou pelo fato de manter dinheiro no exterior a salvo dos tributos cobrados
dos demais cidadãos britânicos.
Até 28 de setembro de 2021 a Dreadnoughts International continuava
ativa, com o ministro Guedes na condição de controlador. As informações constam
de documentos sigilosos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas
Investigativos (ICIJ), organização que reúne mais de seiscentos profissionais e
veículos de imprensa no mundo, entre eles a piauí. O conjunto dos documentos,
batizado de Pandora Papers, reúne 11,9 milhões de papéis obtidos pelo consórcio
junto a catorze escritórios especializados na abertura de offshores em diversos
paraísos fiscais, mas o grosso das informações vem das Ilhas Virgens
Britânicas. Entre os documentos estão certificados de acionistas em nome dos
beneficiários, justificativas para a abertura das empresas, comprovantes de
aportes de recursos e e-mails dos funcionários das empresas que se encarregaram
da criação das offshores.
Quando abriu a Dreadnoughts Internacional – cujo nome se traduz por
“Encouraçado Internacional” –, Guedes tinha como sócia apenas sua filha, a
empresária Paula Drumond Guedes, atualmente com 39 anos. Ao criarem a companhia
no paraíso fiscal caribenho, pai e filha subscreveram nela 50 mil ações de 160
dólares cada, o que totalizava 8 milhões de dólares, depositados no Crédit
Suisse em Nova York. “Subscrever”, no jargão financeiro, equivale a transferir
dinheiro. “É como injetar recursos no capital social de uma empresa no Brasil”,
compara Edison Fernandes, advogado tributarista e professor da Fundação Getúlio
Vargas (FGV).
Offshores são abertas em paraísos fiscais por assessorias
especializadas. No caso de Guedes, a assessoria responsável é a Trident Trust,
sediada nas Ilhas Virgens Britânicas. As informações ali depositadas são
ultraconfidenciais. Um documento da Dreadnoughts International informa que o
registro da empresa “deve ser privado e não deve ser disponibilizado a qualquer
pessoa que não seja o registrador […], a menos que a empresa decida de outra
forma por meio de uma resolução devidamente aprovada pelos diretores”.
Em maio de 2015, Maria Cristina Bolívar Drumond Guedes, mulher de
Guedes, também ingressou na offshore como acionista e diretora. Naquele mês,
ela encaminhou a uma funcionária do Crédit Suisse em Nova York os documentos
necessários para a sua entrada na companhia. “Olá, Angela”, escreveu Maria
Cristina. “Segue cópia do passaporte e o comprovante de residência (conta
telefone). Beijos.” Angela, por sua vez, remeteu os documentos para os
escritórios da Trident Trust em Atlanta, nos Estados Unidos, e nas Ilhas Virgens
Britânicas, que passaram a cuidar da burocracia envolvendo a nova acionista.
Ao longo de 2015, a família Guedes subscreveu mais 9.687 ações na
offshore, que somaram 1,55 milhão de dólares e se juntaram aos 8 milhões
aportados anteriormente. Desde então, conforme os documentos obtidos pelo ICIJ,
não houve novo aporte nem retirada de capital na empresa.
O ministro Paulo Guedes não é o único integrante da equipe econômica nos
Pandora Papers. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também
consta nos documentos como dono da Cor Assets S.A., uma offshore no Panamá,
outro paraíso fiscal, situado na América Central. Campos Neto criou sua
offshore em 2004, com um capital de 1,09 milhão de dólares – 3,3 milhões de
reais à época, que, se fossem repatriados hoje, equivaleriam a 5,8 milhões de
reais – e continuava como controlador quando assumiu o posto no governo em
fevereiro de 2019. À diferença de Guedes, ele fechou sua offshore em outubro do
ano passado. Ainda assim, durante os 21 meses em que presidiu o BC na condição
de dono da Cor Assets, Campos Neto poderia ser enquadrado no artigo 5º do
Código de Conduta.
No cargo de presidente do BC, Campos Neto também tem acesso a dados
estratégicos, como câmbio e taxas de juros, capazes de afetar seus investimentos
lá fora. Em julho do ano passado, por exemplo, ele assinou uma portaria mudando
as regras para a declaração de ativos no exterior. Até então, todo brasileiro
que tivesse mais de 100 mil dólares lá fora tinha que informar o BC todos os
anos. Com a portaria, esse valor subiu para 1 milhão de dólares – uma mudança
que, dizem os especialistas, reduziu a transparência dos investimentos de
brasileiros no exterior. Não se sabe o volume de recursos que Campos Neto
mantinha em sua offshore quando a fechou. Nos Pandora Papers, não aparece essa
informação. Consultado pela piauí, ele não quis informar o valor.
O presidente do BC criou sua offshore quando trabalhava no banco
Santander e, para tanto, usou os serviços do escritório Mossack Fonseca, o pivô
do escândalo mundial dos Panama Papers. Em sua composição original, a Cor
Assets tinha dois diretores (Campos Neto e sua mulher, a advogada Adriana
Buccolo de Oliveira), um capital subscrito de 10 mil dólares e uma conta
corrente no banco Safra em Luxemburgo, um paraíso fiscal na Europa. Num
documento do Mossack Fonseca, o casal explicou que o objetivo da Cor Assets era
receber “investimentos em ativos financeiros do Santander private bank”. Assim
que o escritório no Panamá enviou a Luxemburgo os documentos para abrir a conta
no Safra, o funcionário luxemburguês Jost Dex informou a um colega de trabalho:
“Nós destruiremos os documentos e você pode encerrar esse caso.” O sigilo sobre
os negócios de seus clientes era a regra número um do Mossack Fonseca e, mesmo
assim, tornou-se o epicentro do megavazamento de dados em 2016.
Em julho de 2004, dois meses depois de fundar a Cor Assets, Campos Neto
transferiu mais 1,08 milhão de dólares para a conta estrangeira e aumentou
significativamente o capital da empresa. Ele disse ao Mossack Fonseca que havia
declarado o dinheiro transferido à Receita brasileira. Paralelamente, entre
janeiro de 2007 e novembro de 2016, o executivo manteve outra offshore, a ROCN
Limited, agora nas Ilhas Virgens Britânicas. A empresa foi criada pelo
escritório Trident Trust, o mesmo responsável por abrir a firma de Paulo
Guedes.
A piauí procurou o ministro Paulo Guedes duas vezes para pedir
esclarecimentos sobre a Dreadnoughts International. Em dezoito perguntas, a
reportagem inquiriu, entre outros pontos, se o ministro declarou a offshore em
seu imposto de renda, se poderia comprovar essa informação documentalmente,
qual a origem do capital aportado as Ilhas Virgens Britânicas, se a offshore
possui bens no Brasil, qual o capital atual da empresa e, por fim, se Guedes é
a favor da taxação do capital mantido por brasileiros no exterior.
A assessoria do ministro ignorou as perguntas e se manifestou de modo
genérico, por meio de uma nota: “Toda a atuação privada do ministro Paulo
Guedes, anterior à investidura no [atual] cargo, foi devidamente declarada à
Receita Federal e aos demais órgãos competentes, o que inclui a sua
participação societária na empresa mencionada. Sua atuação sempre respeitou a
legislação aplicável e se pautou pela ética e pela responsabilidade. Desde que
assumiu o cargo de ministro da Economia, Paulo Guedes se desvinculou de toda
sua atuação no mercado privado, nos termos exigidos pela Comissão de Ética
Pública, respeitando integralmente a legislação aplicada aos servidores
públicos e ocupantes de cargos em comissão. Cumpre destacar que o próprio
Supremo Tribunal Federal já atestou a idoneidade e a capacidade de Paulo
Guedes, no julgamento de ação proposta pelo PDT contra o ministro da Economia.”
A reportagem insistiu para que o ministro respondesse as perguntas específicas,
mas Guedes preferiu não dar mais detalhes. A reportagem queria esclarecer, em
especial, a passagem da nota em que Guedes diz ter se desvinculado “de toda sua
atuação no mercado privado” – o que não aconteceu em relação à offshore, de
acordo com os documentos do Pandora Papers.
A revista mandou as mesmas perguntas para o presidente do Banco Central.
Em nota, Campos Neto respondeu o seguinte: “As empresas estão declaradas à
Receita Federal e foram constituídas há mais de 14 anos com rendimentos obtidos
ao longo de 22 anos de trabalho no mercado financeiro, decorrentes, inclusive,
de atuação em funções executivas no exterior. Não houve nenhuma remessa de
recursos às empresas após minha nomeação para função pública. Desde então, por
questões de compliance, não faço investimentos com recursos das empresas.
Questões tributárias não são atribuição da minha função pública.”
A reportagem também perguntou a Campos Neto se ele havia informado a
Comissão de Ética Pública sobre a existência de sua offshore no Panamá. A
resposta foi a seguinte: “A integralidade desse patrimônio, no país e no
exterior, está declarada à CEP, à Receita Federal e ao Banco Central, com
recolhimento de toda a tributação devida e observância de todas as regras
legais e comandos éticos aplicáveis aos agentes públicos.” Nas atas de reuniões
da Comissão de Ética Pública, no entanto, não consta nenhum julgamento de
processo do presidente do BC. Assim como no caso de Guedes, a comissão
recusou-se a dar informações sobre o caso.
Embora ter uma offshore devidamente declarada à Receita não seja ilegal,
criá-la nem sempre atende a propósitos republicanos, sobretudo quando a empresa
se localiza em paraísos fiscais, onde a tributação é baixa ou até mesmo nula.
Além do mais, esses paraísos raramente participam de tratados internacionais e
são usados para viabilizar a lavagem de dinheiro oriundo de organizações
criminosas e corrupção.
Guedes e Campos Neto não informaram as razões que motivaram seus
investimentos. Mas, segundo especialistas consultados pela piauí, quem se utiliza
legalmente de offshores em paraísos fiscais costuma ter dois objetivos: blindar
seu patrimônio de instabilidades políticas e econômicas e escapar de
tributações mais elevadas em seu país de origem, manobra conhecida como elisão
fiscal. Tudo é feito sob o máximo sigilo. Primeiro, cria-se a empresa atrelada
a uma conta no exterior, normalmente aberta em bancos de países com economia
sólida, como a Suíça e os Estados Unidos. A partir dessa conta, investe-se em
companhias e fundos estrangeiros de maneira direta, sem que os rendimentos
sobre o capital investido sejam tributados imediatamente no Brasil. Em termos
práticos, um investidor que aporta 1 milhão de reais num fundo de ações no
Brasil e obtém ganhos de 100 mil reais ao longo de um ano deve declarar para o
Fisco não apenas o seu patrimônio como a sua rentabilidade e ser tributado por
isso anualmente. Já um investidor que possui uma empresa nas Ilhas Virgens
Britânicas pode fazer o mesmo investimento em fundos de ações no exterior e não
pagar nenhum imposto por lá, uma vez que a maioria dos paraísos fiscais não
tributa o capital na fonte. A mordida do Leão ocorrerá, portanto, somente
quando – e se – o dinheiro chegar ao país onde o dono reside. A remessa legal
de dinheiro para o exterior sofre tributação mínima. Paga-se 0,38% de Imposto
sobre Operações Financeiras (IOF) mais a tarifa bancária, que pode ser nula,
dependendo do cliente.
O fosso entre o dinheiro declarado dos brasileiros no exterior e aquele
que realmente é remetido para fora pode ser constatado em números divulgados
pela Receita e pelo Banco Central. O BC deve ser informado sobre todo estoque
financeiro mantido por brasileiros no exterior, embora não esteja autorizado a
compartilhar essas informações com o Fisco – se o fizesse, estaria analisando
dados, incumbência que não é sua. No ano passado, nas contas do BC, os
brasileiros mantinham no exterior um total de 204,2 bilhões de dólares, o
equivalente a 1,12 trilhão de reais. Nas Ilhas Virgens Britânicas estavam 14,7%
do capital brasileiro. O local se consolidou como o terceiro principal destino
do dinheiro tirado do Brasil, atrás dos Países Baixos e das Ilhas Cayman. Já a
Receita Federal, que cobra tributos sobre o patrimônio, estima que os
brasileiros tenham apenas 50,4 bilhões de reais
no exterior. Como não dispõe de informações constantes sobre a quantia
que circula nessas contas estrangeiras, a Receita considera apenas o saldo
declarado na data de entrega do Imposto de Renda.
A diferença brutal entre os números – 1 trilhão de reais para o BC, 50
bilhões para a Receita – é, por si só, uma expressão cabal da falta de
transparência nessas operações no exterior. É uma das razões pelas quais a Tax
Justice, uma ONG que trabalha em defesa da justiça tributária, prega o fim dos
benefícios oferecidos nos paraísos fiscais. Fala-se em justiça porque os
detentores de offshores– como Guedes e Campos Neto – têm um privilégio
tributário ao qual a imensa maioria dos cidadãos de seus países não têm acesso,
o que lhes confere vantagens desiguais. Em um ranking das nações que mais
colaboram para o que a Tax Justice chama de “exploração tributária”, estão
justamente as Ilhas Virgens Britânicas.
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