(Foto: Reprodução)
"Em 2021, a tiragem dos seis maiores
jornais do país desabou. Caiu 68% em relação a 2014. O crescimento digital foi
pífio", escreve Márcio Chaer, do Conjur
26 de janeiro de 2022
Márcio Chaer, Conjur - Em 2014, a imprensa brasileira deslumbrou-se com
uma grande reportagem: um grupo de paladinos da justiça surgiu em Curitiba com
a promessa de acabar com a corrupção no Brasil. Sete anos depois, o país
descobriu-se vítima de um engodo. O saldo da batalha: o país elegeu uma geração
de políticos despreparados e perdeu, pelo menos, R$ 326 bilhões com a farsa.
Mas nem todos os brasileiros perderam. Alguns ganharam um bom dinheiro.
O grande motor da máquina foi a imprensa. Enfeitou a narrativa com
apelidos publicitários, as "operações". Em vez de número, o processo
ganhou nome de novela, com capítulos chamados de "fases".
Espertamente, para esmaecer as suas digitais, o coletivo de procuradores
ocultou-se sob o nome fantasia de "força tarefa". O dicionário penal
foi todo reescrito para inflamar a torcida e instilar ódio contra os acusados.
Todo dinheiro era "propina", todo grupo, "quadrilha", todo
mundo, "bandido".
Montou-se uma fábrica de notícias falsas. Em troca de "furos",
jornais e jornalistas se dispuseram a fuzilar os ministros que anulavam as
decisões ilegais do lavajatismo. A chantagem consistia em simular escândalos
contra os julgadores e seus familiares. Com essa moeda de troca, os
"cachorros" de Curitiba eram pagos. O termo "cachorro" é da
época da ditadura militar, para apelidar os colaboracionistas da repressão que
delatavam seus próprios amigos em troca de favores.
À "técnica do emparedamento", de chantagear ministros para
extorquir decisões favoráveis, os procuradores e seus jornalistas de estimação,
seguiu-se a prática de atirar nas pernas dos advogados. Em um dos momentos mais
infames do espetáculo, a "força tarefa estendida" (que incluía
juízes, delegados, auditores, empresários e até advogados) chegou mesmo a
conseguir o bloqueio de contas dos escritórios que defendiam vítimas da máquina
— agora já com franquias no Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo. Um punguista
chamado Luiz Vassalo, a serviço dos escroques de Curitiba, quis saber de
ministros do STF e do STJ se a revista Consultor Jurídico pagava por
entrevistas, com o claro propósito de emparedar o site. Provavelmente por ser
uma prática dos locais onde ele trabalha ou trabalhou.
Na ditadura militar, os delatados iam para os calabouços. Na "lava
jato", as notícias fraudadas empalavam os alvos nas garras do tribunal de
Curitiba e suas franquias, onde se prescindia de provas para condenar. Os novos
talibãs, guardiões do moralismo, atiraram-se vorazmente contra suas vítimas,
sem compaixão. Nem provas. Colhem agora os frutos do mal que plantaram.
Em dezembro de 2014, no auge do lavajatismo, a tiragem somada dos seis
principais jornais impressos do Brasil era de 1,071 milhão de exemplares. Seis
anos depois, quando a fábula se esfarinhou, além de falsos heróis, descobriu-se
haver falsos bandidos. E que o "combate à corrupção" fora
falsificado. Um festival de práticas jurídicas corruptas. Em 2021, a tiragem
dos seis maiores jornais do país desabou. Caiu 68% em relação a 2014. O
crescimento digital foi pífio.
Associar o descrédito da imprensa unicamente ao embarque no lavajatismo
é o tipo de falsificação que os jornalistas praticaram para enganar seus
leitores. Claro que o fenômeno se deve a outros fatores. Mas nada impede que,
no seu ocaso, a imprensa escreva a "história secreta" da "lava
jato" ou, como era hábito no jornalismo, fazer o balanço de quem ganhou e
quem perdeu com a ascensão e queda desse esquema.
No campo da comunicação, o projeto deu sobrevida a jornalistas em fim de
carreira e sem perspectiva. Turbinou jovens sem talento, mas com grande senso
de oportunidade. Deu lucros às empresas no curto prazo, mas, como se vê, cobra
agora a fatura com a fuga de leitores. A cada dia, fica mais claro que o
idealismo da turma era remunerado.
Por duas vezes os procuradores da República tentaram virar donos de
empresas (ou fundos) com mais de R$ 2 bilhões: uma derivada de verba de
indenização para acionistas da Petrobras, outra com dinheiro da J&F
derivado de acordo de colaboração. O advogado lavajatista Modesto Carvalhosa
aderiu em busca de honorários estapafúrdios.
O advogado Joaquim Falcão, hoje no comitê eleitoral de Sergio Moro,
junto com a Transparência Internacional, também tentou meter a mão no dinheiro
da Petrobras, em nome do idealismo, claro. Falcão celebrizou-se com a afirmação
de que "o excesso do devido processo legal é uma doença". Marcelo
Miller, Rodrigo Janot e Carlos Fernando aposentaram-se para aproveitar o
prestígio que ainda tinham para atender as empresas vitimadas por eles na
chamada "operação".
Para não ser presos, os empresários e executivos concordaram pagar
quantias astronômicas na forma de multas ou "reparações", o que, na verdade,
mais pareceu extorsão. Segundo o Dieese (Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos), o Brasil perdeu cerca de R$ 170 bilhões
em investimentos com a quebradeira das grandes empresas, que provocou um efeito
cascata sobre centenas de empresas menores de vários setores, que dependiam dos
negócios das multinacionais brasileiras.
Os frutos da ira
Os 278 acordos de colaboração e de leniência geraram o compromisso, dos
acusados, de devolver R$ 22 bilhões (em parcelas, por até 20 anos). Até agora,
"retornaram" aos cofres públicos algo como R$ 5 bilhões — uma quantia
34 vezes menor que o prejuízo estimado pelo Dieese. Some-se ainda, mais uma
perda de R$ 47 bilhões em impostos, R$ 20,3 bilhões em contribuições sobre
folha de pagamento e R$ 85,8 bilhões de massa salarial.
A queda no faturamento comercial fechou jornais e já tirou o emprego de
mais da metade dos profissionais em ação na década passada. As empresas ousam
para buscar receitas. Uma das vestais da "lava jato", o repórter Thiago
Herdy, por exemplo, enxergou uma oportunidade e, aparentemente com o
beneplácito da direção do portal UOL, tentou uma jogada alta.
Ao apurar informações sobre a compra de máscaras contra a Covid-19,
Herdy conseguiu o contato do fornecedor chinês e tentou engatar uma compra do
equipamento de proteção mais procurado naquele momento. Não deu certo, porque a
empresa já tinha representante no Brasil, mas o atilado repórter investigativo
ainda insistiu no negócio.
Confrontado com a esquisitice, o diretor de conteúdo do UOL, Murilo
Garavello, não quis responder se a tentativa de transação era em nome do
portal, como afirmou Herdy na correspondência, nem se a aquisição foi
concluída. Em sua "defesa", o repórter imediatamente produziu uma
notícia acusatória contra a empresa das máscaras. O desmentido não foi
publicado.
Idealismo remunerado
Outra iniciativa arrojada em busca de receitas foi incorporar sites
pornográficos ao portal, o UOL Sexo. Com isso, o Grupo Folha passou a oferecer,
dentro da área de conteúdo, performances como a do deputado Alexandre Frota e
vídeos dirigidos por Ed Coyote Hunter com adolescentes colombianas.
Segundo escreveu Herdy, não se faz jornalismo sem dinheiro. Ainda assim,
ele acha que empresas politicamente expostas, como quem faz acordo de
leniência, por exemplo, não deveriam investir em veículos de comunicação —
conselho que, se seguido pelo UOL, ceifaria da empresa uma receita
significativa.
A tentativa de importar máscaras contra a Covid pode ter sido uma
tentativa de enganar as fontes, o que é pouco para quem engana leitores. Mas,
assim como Deltan, Moro, Falcão, Carvalhosa e outros que ganharam bastante com
o lavajatismo, eles sempre poderão dizer que fizeram tudo por idealismo.
Corruptos, só empresários e políticos. Juiz, procurador e jornalista, não.
Hoje, os lavajatistas que defendiam o uso de provas ilícitas batem às
portas do STF para pedir proteção contra eles. Tudo o que a defesa tentou em
Curitiba — e foi negado — hoje os seus protagonistas, na condição de acusados,
imploram. A piada já está gasta: mas seria interessante ver o que seria dos
lavajatistas de hoje, julgados pelos lavajatistas de antes.
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